quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Falando de fé


As pessoas me perguntam, vez ou outra, como poderíamos conseguir superar certas perdas sem adoecer.
Pergunta relevante, sempre respondo, para depois passar a ponderar alguns pontos.
Certo é que algumas perdas, ou melhor, certas despedidas são extremamente dolorosas, levando-nos a um estado de tristeza tão profundo que para sairmos de lá demanda tempo, paciência, resiliência. Não devemos e nem podemos supor que uma vez espiritualizados, crendo na vida após a morte, estaremos isentos das dores do “até não sei quando”. Oras, qual aquele que ama e que não sente a separação, mesmo que momentânea, de seu objeto de amor?

Sim, vamos sofrer. Isto também é parte da luta por aqui. Mas não apenas de dor viveremos. Existe um ingrediente que pode fazer a diferença para aqueles que estão vivendo este grave momento: trata-se da fé.

Mas deixe-me explicar melhor, pois tenho visto pessoas fazendo certa confusão com esta palavra. Fé não é conformismo. Também não é obediência, tampouco palavras decoradas a serem ditas em momentos complicados. Não. Fé é certeza que sustenta. É o “nunca estou sozinho”, mesmo quando tudo ao redor nos parece solidão e tristeza. É ainda a força que surge, quando mais precisamos dela, mesmo sem que saibamos direito de onde vem.

Existe uma pequena história que aconteceu há dois mil anos, que fala sobre este tipo de fé. É sobre um rapaz chamado Bartimeu, cego de nascença, que mendigava na cidade onde morava, de nome Jericó. Graças a algumas leis consagradas dentro do Pentateuco mosaico, a caridade para com aquele tipo de problema físico não era comum em seu povo. Acreditava-se, por exemplo, que um filho deveria pagar pelo pecado dos pais. Sendo assim, se Bartimeu nasceu cego, sem ter tido tempo para cometer erros, estava claro como o dia que se tratava de algum pecado maior dos genitores, não perdoado por Jeová [Êxodo, 20:5]. Ainda em Levítico, um dos livros sagrados do citado Pentateuco, encontramos a seguinte ordem: “Ninguém dos teus descendentes nas suas gerações, em quem houver algum defeito, se chegará para oferecer o pão do seu Deus pois nenhum homem em quem houver defeito se chegará: como homem cego, ou coxo, de rosto mutilado, ou desproporcionado, ou homem que tiver o pé quebrado, ou a mão quebrada, ou corcovado, ou anão, ou que tiver belida no olho, ou sarna, ou impigens, ou que tiver testículo quebrado”. [Levítico 21, 17-20].
Sendo assim, os problemas do cego seria dele para com Deus. Ele que os resolvesse junto ao Criador.

Bartimeu viveu por muitos anos na mendicância, até que ouviu comentários de que Jesus estava passando ao lado dos muros, saindo da cidade. Imediatamente começou a gritar: “Jesus, filho de David! Tem piedade de mim!” Os homens que acompanhavam o Mestre ralharam com ele, ordenando que ficasse quieto. Que nada! Passou a gritar mais alto. “Jesus, filho de David! Tem piedade de mim!”. Mandou chamá-lo. O cego, resoluto, larga sua capa e segue, guiado pelos mesmos homens que antes estavam bravos com ele. Chegando próximo, Jesus pergunta: “Que queres que eu faça?” E ele, sem delongas, responde: “Rabi, que eu veja!”. Então, abençoando-o e curando seus olhos, o Mestre diz: “Tua fé te salvou”.

Mesmo diante da falta de compaixão daqueles homens, mesmo com dificuldades para chegar até Jesus, Bartimeu não desiste. E mais: se dirige à Ele como o filho de David, o que equivale dizer [por causa das profecias anteriores] que admitia ser ele [Jesus] o Messias esperado pelos judeus. Bartimeu tinha fé; a fé que cura. A certeza irremovível que lhe deu forças para continuar, apesar das forças contrárias. Não usou de longas narrativas para pedir. Foi simples, claro, objetivo. Sabia o que queria.Sua meta não era mostrar-se como um pobre coitado, lamuriando-se, mas sim deixar de ser um indivíduo à margem da sociedade, apenas isso.

Estudando esta pequena história no hoje, acho que os verdadeiros cegos eram aqueles homens todos que estavam ali sem nada fazer por seu irmão caído, criticando-o, apenas. Bartimeu tinha visão Espiritual. Sabia quem era Jesus e o que Ele poderia realizar por ele e pelo mundo. Tinha fé.

E é desta fé que falo. A fé que, mesmo diante da dor profunda da perda de um ente querido, nos mantém firmes na caminhada, certos de que em tudo existe um propósito maior, que nos faz crescer, embora nem sempre saibamos qual seja.

Se você, caro leitor, ainda não se percebe possuidor desta fé, pode buscar desenvolvê-la. Kardec dizia que a fé, para ser verdadeira e firme, deve ser raciocinada. Estude, procure filosofar sobre o mundo, sobre a vida, a morte, sobre você, sobre os objetivos da humanidade. Leia. Busque respostas. Pessoas que não pensam sobre si mesmas passam a vida sem construir bons alicerces. Assim como não conseguiremos colocar o telhado sem antes erguermos as paredes, precisaremos questionar para chegarmos a algumas respostas. E quando elas [as respostas] fizerem sentido, a fé começará a ser fortalecida... antes mesmo que seja percebida.

E é com ela que conseguiremos continuar na luta, apesar dos gritos do mundo, e das dores do caminho.

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