segunda-feira, 10 de maio de 2021

Possibilidades e Impossibilidades no Luto Materno


Qual a maior das dores?


Você a conhece? Se sim, como lidou [ou lida] com ela?


Se a conheço? Creio que não. Mas posso imaginá-la. Senti-la um dia, quem sabe? Talvez… Se a vida me tomar um filho. Se Deus me tomar  aquele que segurei no colo, anos atrás, creio que a saberei em tom, largura e profundidade.


Se o temível pesadelo atravessar a ponte da realidade…


Mas também sei que a dor depende de como a encaro, de como lido com sua presença em mim.


No meu trabalho caminho ao lado de almas que enrugaram, que murcharam como pequenas folhas de avenca expostas ao rude vento. Seus vincos de dor me enchem de compaixão… e é com ela [com a compaixão] que tento levar algum alívio.


Estudiosos comentam que o luto é integrado na alma, mas que jamais se extingue. Isso porque o amor não acaba. É companheiro. Então, o luto também.


O que acontece é que a dor se torna possível, os gritos viram sussurros, as lágrimas menos frequentes.


Mas ela volta, lancinante. As vezes, no momento de um filme, no aroma do bolo, na cor da  paisagem… Para depois, como um pequeno cão cansado, se deitar no canto da sala sem mais rosnar. Dorme um sono leve, mais uma vez, para só acordar numa outra lembrança de amor.


O amor fica.


E se o ser amado não está, a dor aparece.


Reaprendemos a viver sem ele, conseguimos algum sorriso, determinado trabalho, alguma entrega. Mas a dor não morre, apenas se cala, momentaneamente. Se faz companheira de jornada. E, no caminho, ora fala, ora cala. Ora machuca, ora relaxa.


Então, eis o desafio: torna-la, no tempo Kairótico (tempo interno e não o do relógio), menos agressiva, menos intensa, menos venenosa, na medida em que nos curvamos ao que é, aceitando a experiência, buscando no fundo de nós mesmos a força e a paz possíveis. Vivendo nossa saga pessoal com coragem, muita coragem - no tempo possível, na vida possível.



Certa vez, um amigo me disse: Claudia, veritas filia temporis.  "A verdade é filha do tempo”.


Citou a antiga frase escrita em "Noctes Atticae" (Noites Áticas) de Áulio Gélio (125dC) para tentar me consolar sobre uma “injustiça" que sofri e que amargava minhas horas.


Naquela época já me dava conta de que o tempo não pode ser medido da mesma maneira em uma existência. Um minuto de dor, de abalo moral, me caía arrastado, longo, pesado, eterno… Horas que tinham cara de dias, meses…


Já os momentos de alegria, escorriam pelos dedos, como finos grãos de areia no deserto…


Como mensurar o tempo de duração de um abraço da pessoa amada?


E a dor de uma mãe com a perda de seu filho?


Sábios, os gregos antigos tinham duas palavras para o tempo: Kronos e Kairós (que citei, acima). Enquanto o primeiro diz respeito ao tempo cronológico ou sequencial (o tempo que se mede, de natureza quantitativa), Kairós traz a natureza qualitativa, o momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece. Trata-se do tempo sentido, cuja percepção varia com as emoções, com o sentido [ou falta de sentido] da experiência.


Sendo assim, posso ainda me perguntar:


“Quanto tempo me demoro na dor feroz, até realizar a aprendizagem proposta pela impermanência?”


Se faço tal pergunta, é porque entendo que toda dor nos ensina algo, desde que estejamos abertos, atentos para isso.


Quando menina, ao ver minha mãe em desespero, tentando salvar alguns pertences da casa, no evento de uma grande inundação, pude captar um pouco desta lei implacável: hoje tal situação existe, amanhã não mais. Agora tenho meus brinquedos, depois, não. Foi-se a lousa, o giz e os sapatos.


Por outro lado, após o vazio, uma nova presença. Outros brinquedos vieram, novas roupas, outras alegrias.


O pulmão se enche, depois se esvazia, para ser novamente preenchido de ar, e assim por diante. Coração se move; o mar, também.


Impermanência.



Assim é o luto elaborado: a dor vem e vai, para depois voltar, talvez menos intensa, quem sabe? Mas deve ser impermanente para podermos seguir.


E, o que aprender diante da experiência do luto? Qual o tempo esperado para isso?


O tempo de elaboração varia de acordo com nossa condição interna, da nossa história pessoal, das ferramentas que já possuímos na alma. Por este motivo, não gosto de dar limites no tempo para este processo. Porém, sei que o luto pode se complicar e tal pessoa precisará de ajuda, de tratamento quando estiver disfuncional e totalmente infeliz.


Mas não se trata da maior parte dos casos. Comumente conseguimos elaborar, integrar o luto.


No livro Amor e Superação, do psicanalista Luiz Alberto Py, o tema é tratado com delicadeza e sinceridade, abordando os sentimentos que surgem nas perdas e a vital importância da autoestima, sendo ela fundamental na hora de encontrar o caminho para o equilíbrio emocional após o luto.


E, assim como o arquétipo de Quíron [na mitologia grega, o cuidador ferido], que, carregando em seu corpo a dor da ferida causada por uma lança, ajudava as pessoas a encontrarem caminhos para vencerem os próprios desafios, aquele que integrou o luto pode emprestar um sentido para a dor, usando-a como catalizador em prol da ação no bem. Acionando a compaixão mais genuína, nascida da mais profunda ferida.


Eis um dos caminhos… tornarmo-nos aptos a compreender outras dores e, através dela, da nossa própria experiência, contarmos aos sofridos que também eles podem caminhar na vida, tornando os dias suaves e valorosos, na medida do possível.


Se você conhece alguém que já viveu a grande dor da alma, analise sua história, perceba seu caminho. Inspire-se em sua força.


Se conhece alguém que não conseguiu ainda elaborar sua experiência, esteja junto, sem cobranças nem palpites. Dê sua presença, seus ouvidos, seu colo (se assim ele quiser).


Por fim, pergunte a si mesmo se realmente se permite vivenciar a própria dor com lucidez, com os tais “ouvidos de ouvir”, comentados por Jesus.


Sabes escutar o que a dor tem a te dizer?


O que aprendeu com as experiências mais significativas, até aqui?


Quem sabe meu texto possa te dar alguma luz neste assunto…


Se isso acontecer, confesso que me sentirei feliz.


Por fim, creio que, se a dor fizer seu trabalho em nós e se, após este trabalho, estivermos mais fortes diante da vida, vencemos o grande desafio.


E que assim seja, se preciso for!



Claudia Gelernter 



E para aqueles que quiserem se aprofundar no tema, sugiro o magnifico site da amiga Nazaré Jacobucci, o Educação para a Morte, Perdas e Luto:


https://perdaseluto.com/author/nanajacobucci/




#lutomaterno #perdamaterna #superaçãodaperda #lutoepossibilidades #tempoedor


domingo, 25 de abril de 2021

Fé e Obras

Como humanos já vivemos diversas crises.

Medos, perdas e adoecimentos não são novidade no contexto terreno, porém carregamos em nós certa dúvida se o que estamos vivenciando no agora não seria o pior se comparado ao que já se foi. 


Sabemos que não… 


E, apesar da história escrita e recontada, nosso medo e sensação de desamparo nos arrasta para um drama muito além do real, que nada ajuda e mais agrava situações, com desequilíbrios e outros adoecimentos. 

 

Por certo hoje já não podemos falar em crise, no singular, mas em “crises”, pois que estão acontecendo, em diversas áreas, em todos os lugares, atingindo a todos. 

 

Crise ambiental, política, econômica, de valores… são muitas crises porque todas as áreas onde atuam os humanos precisam ser revistas, refletidas, reformuladas, reconstruídas sob outras bases. 

 

Faz lembrar a advertência precisa de Jesus: “Mas todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as observa, será comparado a um homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia. Desceu a chuva, vieram as torrentes, sopraram os ventos e bateram com ímpeto contra aquela casa, e ela caiu: e foi grande a sua ruína. “ (Mt 7:25). 

 

Temos construído nossa 'casa humana’, ao longo dos milênios, sobre a areia do egoísmo, da vaidade, da soberba. Areia das ilusões, que se espalham e somem ao sopro do vento renovador da Lei Divina. 

 


Construímos nossas vidas numa cultura pautada no consumismo, no materialismo e no individualismo - três pilares de palha - que jamais poderiam sustentar o edifício que nos abrigaria da dor e do sofrimento!

 

Sendo assim, colhemos hoje frutos semeados no ontem. 

 

Alguns me perguntam: "Como atravessar este momento sem adoecermos?”Invariavelmente retorno com a receita que temos aprendido nesta trilha Espírita:  “Com fé e boas ações”.O segundo ingrediente traz vida ao primeiro, disse-nos Tiago (2: 26) e, sem o primeiro, sobra-nos desesperança e depressão.



A fé é atributo dos que observam a vida para além do ego transitório. É o resultado de uma peregrinação consciente, quando transitamos pela Terra como discípulos da realidade e não como vitimas ou algozes. 

 

Fé é a certeza da guiança, da Mão forte do Criador, que jamais permitiria crise sem função, colheita sem semeadura, dor sem ensinamento. 

 

Sim, tudo tem um porquê, nada é acaso. Já nos contaram os Espíritos que o acaso é o nada e que o nada não existe. Tudo é força, energia, evolução neste mundo, queiramos (saibamos) ou não. E o trabalho é o caminho para o desenvolvimento real, disseram eles.

 

No âmbito da fé podemos nos inspirar em uma das mais belas passagens do Evangelho de Marcos. Está lá no capítulo 10, a partir do versículo 46. Contou-nos o evangelista que, antes de caminharem para o que seria a última entrada de Jesus em Jerusalém - dias antes da festividade de Pessach e seus funestos desdobramentos, culminando com a crucificação - passaram (o Mestre e seus discípulos) pela milenária cidade de Jericó. 


Foi quando um grito ecoou no ambiente, quebrando a relativa harmonia presente: “Jesus, Filho de Davi, tende piedade de mim!” 

Não tardou para que os homens que seguiam o Mestre ralhassem com ele: “Cala-te!” -disseram. 

E o que fez o cego, conhecido como Bartimeu? Gritou ainda mais! “Jesus, filho de Davi, tende piedade de mim!” 

 

Gritos nascidos da certeza de que, se escutados, seriam emudecidos pela alegria da visão. 

E assim foi. 

Jesus pede para que ele se aproxime. Bartimeu fica de pé, joga sua capa e vai até ele, resoluto. 

Sente-se visto nos recônditos da alma. Já não era o marginal, o excluído. Estava agora no centro da cena, num diálogo curto, preciso e sagrado: 
“Que queres que eu faça?” - perguntou o Mestre

“Rabonni, que eu volte a ver…” 

 

A palavra rabonni significa “meu mestre”, em hebraico. Bartimeu reconhece que Jesus era o messias anunciado nas escrituras, pois o chama de Filho de Davi e diz mais que isso:  era, também, o Mestre de um cego abandonado à beira do caminho. 

 

Sabia ele que Jesus vê muito além do que pode alcançar os olhos comuns e míopes dos humanos e que, por isso, saberia reconhecer os anseios mais profundos de sua alma. 

 

“Vai! Tua fé te curou”,foi a última resposta dada àquele homem, agora feliz. 

 

Nada de imposições, explicações ou movimentos. 

Na simplicidade do momento, a riqueza da verdade última: a fé é o antídoto contra a cegueira. Ela o salvou e agora ele podia enxergar.

 

A força da fé foi capaz de mudar todo o sentido daquela vida, a ponto de Bartimeu lançar a própria capa (considerada como uma continuação do corpo e proteção para ele) sem olhar para traz. Nenhuma dúvida, nenhuma fala sem proveito. O resumo necessário se fez ali. 

 

E deste encontro comovente, entre um cego do corpo e um iluminado da alma, surge um novo Bartimeu, um homem que, lúcido e pleno de novas disposições, passa a seguir Jesus. 

 

Fé e boas obras. 

Não a fé que vacila, que questiona ou violenta, mas a fé que se traduz em certeza, que nos mantém na trilha, apesar do mundo. 

Fé e boas obras que nos permitem um olhar para além do perceptível aos olhos comuns. 

 

E é por conta destes ingredientes fundamentais que, atônitos, nos deparamos com aqueles que, mesmo diante das perdas e dores, conseguem cultivar a serenidade na alma. 

 

São os “Bartimeus" do caminho - iluminados pelo sublime encontro com a luz do Cristo através da força impressionante da própria fé.


Claudia Gelernter

domingo, 3 de janeiro de 2021

2021 chegou. O que tens de teu para entregar a ele?

Eis que nasce um novo ano. E com ele esperanças, planos e pedidos. 

Embora saibamos que tão somente o tempo cronológico não determina finais de ciclos, tampouco recomeços, verdade é que em todo 01 de janeiro os corações se enchem de fé, com renovadas energias para enfrentamento dos desafios que a vida nos oferece, por amor - estejamos nós em qualquer etapa dos nossos ciclos existenciais…

E então surgem pedidos de todos os matizes: 


Que neste ano eu tenha saúde!

Em 2021 pretendo mudar de profissão…

Neste ano quero largar este vício!

Certamente estarei mais com meus familiares.

Oxalá eu possa fazer a viagem dos sonhos!


e por aí vai…


Somos rápidos nos pedidos, nos desejos, nos planos…


Em verdade não vejo mal nisso. Ao contrário, é muito bom que tenhamos em mente nossos sonhos com boas pitadas de fé. Mas será que apenas isto bastará? 


Não passa muito tempo (talvez até mesmo antes do carnaval) e já vemos uma legião de pessoas lamentando a vida que levam, tomadas por um desânimo impressionante!


Neste período do ano sempre me lembro de uma passagem dos evangelhos (em Mateus 14:13-21, Marcos 6:31-44, Lucas 9:10-17 e João 6:5-15) que me encanta, desde menina - o da multiplicação dos pães e peixes, na pacata vila de Betsaida, ao norte do Lago Knéret (Mar da Galiléia), em Israel. Não por seu caráter miraculoso, mas sim pelo símbolo que nela se encerra.


Contam os evangelistas que Jesus, após a morte de seu primo, João Batista, recolhera-se àquela vila, para meditar. Porém, pouco tempo depois, já estavam com ele muitas pessoas, em busca de alívio para suas angústias, cura de seus males, confortos diversos. E o Mestre, como sempre fazia, acolheu a todos, curando os enfermos, ensinando-lhes sobre O Reino. 


No final daquele dia, a multidão ali permanecia, provavelmente com fome. Então, um de seus discípulos se aproximou e sugeriu: “Despede a turba para que, indo às aldeias e campos ao redor, se hospedem e encontrem alimento, porque aqui estamos em um lugar deserto” (Lucas, 9:12). E Jesus, como sempre aproveitando a oportunidade para mais uma linda (e importante) lição, discordou dos amigos, perguntando quais alimentos possuíam, ao que disseram: “Temos aqui cinco pães e dois peixes, Senhor..”  



Tomando estes alimentos - dizem os evangelistas - o Mestre olhou para o céu, abençoou-os e os multiplicou, a ponto de alimentar as 5000 pessoas que ali estavam com sobra de 12 cestos de vime. (Lucas, 9:17)


Dá o que pensar! 


Por certo, estando em frente a um grande lago, com muitos peixes, poderia Jesus ter feito essa multiplicação sem nenhuma ajuda dos seus discípulos. Entretanto, não foi o que fez. Voltando-se aos amigos, perguntou a eles o que poderiam dar de si. Só depois multiplicou e saciou a fome de muitos.


Parece ser esta a estratégia da Vida para conosco. Ela multiplica nossas bençãos, nos impulsiona ao crescimento, traz abundância, por certo. Entretanto, nos aguarda a boa vontade no fazer, que entreguemos de nós poucos peixes e pães do trabalho constante no bem. Não será preciso uma vida de sacrifícios, de sofrimentos, claro! Porém, que entreguemos nosso perfume, nossos talentos, nossos dons ao mundo, buscando atuar de maneira positiva, amorosa, útil. Que construamos ao menos um espaço de paz interior a fim de recebermos as múltiplas bençãos de Deus. 


Se já usamos a nossa caneta e papel para listar os desejos e planos para 2021, talvez fosse importante também listar (ao lado de cada item) o que entregaremos de nosso ao mundo. 

O que faremos para que cada sonho aconteça. Isso sem esquecer de que, a Vida é soberanamente justa e amorosa e que, se algo não for bom para nós, neste momento, não se realizará. Simples assim. E que bom que é assim!


Se seguirmos essa matemática sagrada, os resultados sempre serão bons…


Confiança, entrega, gratidão e humildade. Se estes quatro elementos entrarem na equação, certamente os resultados serão os melhores.


Assim falava Jesus…





domingo, 18 de outubro de 2020

Não Te Deixes Vencer Pelos Obstáculos!




Na atualidade, ouvimos, de todos os lados, lamentos sem fim (e de toda ordem). Vejamos: 


“Perdi parente para o vírus…” 

“Meus negócios não vão bem…a crise nos levará ao caos…” 

“Minha saúde ficou abalada…” 

“Não suporto mais o isolamento social…” 

“Detesto ter aulas online…” 

“Como conciliar casa, trabalho, segurança? Sinto-me sem forças..” 

“Muito difícil estar em casa com meus familiares…” 

“A máscara me sufoca…” 

“Chato demais usar álcool a todo momento…”  

Etc. 


Vale dizer que os lamentos humanos não são de hoje, fruto de uma pandemia, mas sempre estiveram presentes, com ou sem crises humanitárias como a que estamos experienciando.


Por certo os desafios se agigantaram, sabemos. 

Por outro lado, temos consciência de que, também as oportunidades estão presentes, a cada dia, como diamantes sagrados a brilharem em cada segundo da existência.


Nunca antes aprendemos tanto e tão rapidamente sobre o uso das tecnologias;

Convocados ao lar, podemos desenvolver melhores pontes de diálogo com todos, além de trabalharmos arestas e conseguirmos (re) aproximações necessárias;

Em nossas casas, a possibilidade de cuidarmos dos ambientes com maior atenção e esmero;

Dada as circunstâncias, maior facilidade para separarmos o real do ilusório, o necessário do supérfluo, o urgente do pueril, o importante do irrelevante, etc. 

Oportunidade de internalizar, refletir, meditar sobre si mesmo e também a respeito do que  se deve fazer (ou deixar de fazer) no mundo;

Possibilidade de revermos projetos, sonhos, intenções no hoje, curto ou mesmo a médio e longo prazos;

Revisitarmos a filosofia que norteia nossa própria existência (“tenho seguido minha crença ou não?” “Diante dos desafios, como tenho reagido? etc.)



Com sabedoria, já nos perguntava o dito popular: Afinal, queremos achar culpados ou soluções?


Vírus, governos, sistemas, personalidades, egos…


Podemos seguir na caça de muitos dos culpados para nossas mazelas e os encontraremos, por certo. Principalmente a nós mesmos! 

Entretanto, muito mais importante e urgente refletirmos sobre possíveis soluções.


E, confiando no bom senso, de inicio já podemos considerar que desânimo e reclamações de nada adiantam. 

Aliás, só atrapalham…



No livro O Espírito da Verdade, de autores diversos, psicografia Francisco Cândido Xavier, o Espírito Lameira de Andrade, no texto de título “Provas Decisivas” (cap. 68), nos chama a atenção para essa questão. 


Relembra-nos o benfeitor espiritual que, desde os primórdios, todos os grandes vultos da humanidade passaram por provas decisivas, por desafios imensos! Desde Cervantes, - que preso e paralítico de sua mão esquerda, ainda assim deixou um enorme legado à literatura - até o Dr Bezerra de Menezes, que no final de sua encarnação e, apesar de sua situação de intensa miséria material, tornou-se um Grande Apóstolo do Cristo, Lameira desfila exemplos e nos alerta para a realidade de que todos nós, na Terra, somos Espíritos endividados e ignorantes, necessitados de aprendizagens e experiências refazedoras,  de todas as matizes e que, em razão disto, não devemos nos deixar vencer pelos obstáculos. 


Explica ele que “a resignação humilde, a misturar lágrimas e sorrisos, anseios e ideais, consolações e esperanças, constrói sobre a criatura invisível auréola de glória que se exterioriza em ondas de simpatia e felicidade.”  

E, finalizando o belíssimo capítulo, nos aconselha, resoluto: “Quando o carro de tua vida estiver transitando pelo vale da aflição, recorda a paciência e continua trabalhando, confiando e servindo com Jesus.” 


Trabalhar, confiar e servir com Jesus…


O que significam, na prática, estes três verbos, destacados pelo Benfeitor?


Seguir no mundo, produzindo bons frutos, seja na profissão, no lar, com os amigos, colegas, etc. Confiar na Vida, em Deus, pois a providência Divina jamais erra da dose, no conteúdo ou no endereço… Seja na taça de vinho ou no cálice de fel, cada qual recebe conforme suas necessidades e forças. Ademais o Pai jamais desampara seus filhos, sabemos. 


Por fim, quanto a servir com Jesus, sabemos que, muito distante de nos perdermos em reclamações, precisaremos, de nossa parte, aceitar os desafios com fé e esperança, fazendo pelos outros aquilo que gostaríamos para nós. Levarmos a semente do Reino de Deus ao mundo, a partir do nosso próprio coração, sem negarmo-nos aos sacrifícios, ainda necessários. Aliás, exatamente como nos ensinou o Espírito Emmanuel, no livro Palavras de Vida Eterna (psicografia Francisco Cândido Xavier): 

“Nosso primeiro impulso é o de reclamar naquilo que supomos nosso direito; contudo, buscando a palavra do evangelho, surpreendemos a inesquecível advertência do Senhor: 


-…”Que te importa a ti? Segue-me tu!” 



Claudia Gelernter

claudiagelernter@uol.com.br


domingo, 10 de novembro de 2019

Oferecer a Outra Face

Diversas frases que pronunciamos nos dias atuais, foram ditas há dois milênios, pelo Mestre de Nazaré. Algumas, tornaram-se ditos costumeiros, entre muitas pessoas: 
“- Que atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecados…”  Comumente usamos essa passagem quando queremos nos desculpar ou perdoar alguém por alguma falha.
- Reconhece-se a árvore por seus frutos…” Aqui, quando no intuito de algum elogio ou crítica ao tipo de educação dada; 
“- Mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha…” Quando queremos criticar os ricos que sentem dificuldade na partilha de seus bens…

Muitos de nós nos apoiamos nas passagens dos evangelhos para justificar nossa forma de pensar, falar e agir no mundo. 

Problema está quando destes textos retiramos alguns fragmentos, ignorando contexto e profundidade, apenas para atacar, marginalizar, excluir, etc. À nós, Espíritas fica o alerta para este perigo a respeito de uma prática nefasta, presente em diversos lugares.

Neste despretensioso artigo, pretendo relembrar outro pensamento bastante utilizado pelas pessoas, pronunciado também por Jesus, durante uma pregação, conhecida como Sermão da Montanha. A passagem está registrada no evangelho de Lucas, no capítulo 06, versículo 29:  "Se alguém bater em você numa face, ofereça-lhe também a outra.” 

“Mostrar a outra face” quando alguém nos bate, como muitos outros ensinamentos trazidos pelo Cristo, não carrega um sentido literal, mas figurado. Assim como não devemos (literalmente) arrancar um olho que seja motivo de escândalo, até porque um olho não causa um escândalo, mas, metaforicamente, nossa maneira de enxergar o mundo e reagirmos a ele, isso sim! 


Se alguém nos bate, temos o dever de nos afastar, de nos defender de alguma maneira, impedindo o agressor de continuar com sua ação. Aliás, se trata de algo instintivo. Entretanto, cabe aqui uma diferença capital: Defender-se não significa revidar, vingar-se, agredir.

Defender-se é, dependendo da situação, do momento, afastar-se, se proteger ou mesmo neutralizar o agressor, quando possível. 

O que fazemos, porque assim aprendemos durante milênios, é reagir (no mínimo) na mesma proporção: fazemos acontecer o famoso “olho por olho, dente por dente” - lei antiga que Jesus reformou, quando trouxe à baila um Deus amoroso e um caminho de educação e medicina de almas, onde o revidar deve sair de cena, abrindo espaço para uma resposta bem mais funcional e efetiva, mostrando uma possível “outra face” da situação apresentada. 

Na Oração pela Paz, hoje conhecida como “Prece de Francisco de Assis”, encontramos a  busca pela prática desta passagem evangélica:

“Onde houver ódio, que eu leve o amor;
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão.
Onde houver discórdia, que eu leve a união.
Onde houver dúvidas, que eu leve a fé.
Onde houver erro, que eu leve a verdade.
Onde houver desespero, que eu leve a esperança.
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria.
Onde houver trevas, que eu leve a luz…” 

Mostrar a outra face é retornar àquele que traz um pensamento, uma ação no mal, algo de bom. É acalmar onde existem ansiedades, calar onde existem fofocas, abençoar onde acontecem maledicências. 
Mostrar a face de Deus em casa gesto, diminuindo o ego, sempre que possível.

Professor Hermógenes, conhecido Yogue de nosso país, costumava dizer que é preciso “humildar-se”. Isso porque o termo “humilhar-se” para ele soava como “rebaixar-se” a um nível desnecessário. Humildar-se, porém, significa diminuir o ego, perceber-se como se é: um ser incompleto e ainda cheio de imperfeições e, a partir deste saber, seguir trabalhando os traços de personalidade que nos atrapalham, sem ódios contra si, tampouco projeções de raiva no mundo. 

Humildar-se seria o "mostrar a outra face", levar à luz o aspecto real da alma imortal, criação de Deus. 

Humildar-se é perceber-se como um ser interdependente, respeitando todas as formas de vida e, ao mesmo tempo, saber-se de natureza divina, como tudo o que é. 


Somente quando nos humildamos, conseguimos mostrar algo bom diante das ignorâncias do mundo - como já dizia Jesus (e muito antes de Hermógenes). Só quando estamos na posição dos humildes (os primeiros bem aventurados em seu Sermão) é que podemos, realmente, mostrar a verdadeira face do amor - único caminho para um mundo melhor, que tanto ansiamos. 

E, como já dito em muitas tradições de espiritualidade, a mudança do mundo começa em nós. Sigamos!