segunda-feira, 10 de maio de 2021

Possibilidades e Impossibilidades no Luto Materno


Qual a maior das dores?


Você a conhece? Se sim, como lidou [ou lida] com ela?


Se a conheço? Creio que não. Mas posso imaginá-la. Senti-la um dia, quem sabe? Talvez… Se a vida me tomar um filho. Se Deus me tomar  aquele que segurei no colo, anos atrás, creio que a saberei em tom, largura e profundidade.


Se o temível pesadelo atravessar a ponte da realidade…


Mas também sei que a dor depende de como a encaro, de como lido com sua presença em mim.


No meu trabalho caminho ao lado de almas que enrugaram, que murcharam como pequenas folhas de avenca expostas ao rude vento. Seus vincos de dor me enchem de compaixão… e é com ela [com a compaixão] que tento levar algum alívio.


Estudiosos comentam que o luto é integrado na alma, mas que jamais se extingue. Isso porque o amor não acaba. É companheiro. Então, o luto também.


O que acontece é que a dor se torna possível, os gritos viram sussurros, as lágrimas menos frequentes.


Mas ela volta, lancinante. As vezes, no momento de um filme, no aroma do bolo, na cor da  paisagem… Para depois, como um pequeno cão cansado, se deitar no canto da sala sem mais rosnar. Dorme um sono leve, mais uma vez, para só acordar numa outra lembrança de amor.


O amor fica.


E se o ser amado não está, a dor aparece.


Reaprendemos a viver sem ele, conseguimos algum sorriso, determinado trabalho, alguma entrega. Mas a dor não morre, apenas se cala, momentaneamente. Se faz companheira de jornada. E, no caminho, ora fala, ora cala. Ora machuca, ora relaxa.


Então, eis o desafio: torna-la, no tempo Kairótico (tempo interno e não o do relógio), menos agressiva, menos intensa, menos venenosa, na medida em que nos curvamos ao que é, aceitando a experiência, buscando no fundo de nós mesmos a força e a paz possíveis. Vivendo nossa saga pessoal com coragem, muita coragem - no tempo possível, na vida possível.



Certa vez, um amigo me disse: Claudia, veritas filia temporis.  "A verdade é filha do tempo”.


Citou a antiga frase escrita em "Noctes Atticae" (Noites Áticas) de Áulio Gélio (125dC) para tentar me consolar sobre uma “injustiça" que sofri e que amargava minhas horas.


Naquela época já me dava conta de que o tempo não pode ser medido da mesma maneira em uma existência. Um minuto de dor, de abalo moral, me caía arrastado, longo, pesado, eterno… Horas que tinham cara de dias, meses…


Já os momentos de alegria, escorriam pelos dedos, como finos grãos de areia no deserto…


Como mensurar o tempo de duração de um abraço da pessoa amada?


E a dor de uma mãe com a perda de seu filho?


Sábios, os gregos antigos tinham duas palavras para o tempo: Kronos e Kairós (que citei, acima). Enquanto o primeiro diz respeito ao tempo cronológico ou sequencial (o tempo que se mede, de natureza quantitativa), Kairós traz a natureza qualitativa, o momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece. Trata-se do tempo sentido, cuja percepção varia com as emoções, com o sentido [ou falta de sentido] da experiência.


Sendo assim, posso ainda me perguntar:


“Quanto tempo me demoro na dor feroz, até realizar a aprendizagem proposta pela impermanência?”


Se faço tal pergunta, é porque entendo que toda dor nos ensina algo, desde que estejamos abertos, atentos para isso.


Quando menina, ao ver minha mãe em desespero, tentando salvar alguns pertences da casa, no evento de uma grande inundação, pude captar um pouco desta lei implacável: hoje tal situação existe, amanhã não mais. Agora tenho meus brinquedos, depois, não. Foi-se a lousa, o giz e os sapatos.


Por outro lado, após o vazio, uma nova presença. Outros brinquedos vieram, novas roupas, outras alegrias.


O pulmão se enche, depois se esvazia, para ser novamente preenchido de ar, e assim por diante. Coração se move; o mar, também.


Impermanência.



Assim é o luto elaborado: a dor vem e vai, para depois voltar, talvez menos intensa, quem sabe? Mas deve ser impermanente para podermos seguir.


E, o que aprender diante da experiência do luto? Qual o tempo esperado para isso?


O tempo de elaboração varia de acordo com nossa condição interna, da nossa história pessoal, das ferramentas que já possuímos na alma. Por este motivo, não gosto de dar limites no tempo para este processo. Porém, sei que o luto pode se complicar e tal pessoa precisará de ajuda, de tratamento quando estiver disfuncional e totalmente infeliz.


Mas não se trata da maior parte dos casos. Comumente conseguimos elaborar, integrar o luto.


No livro Amor e Superação, do psicanalista Luiz Alberto Py, o tema é tratado com delicadeza e sinceridade, abordando os sentimentos que surgem nas perdas e a vital importância da autoestima, sendo ela fundamental na hora de encontrar o caminho para o equilíbrio emocional após o luto.


E, assim como o arquétipo de Quíron [na mitologia grega, o cuidador ferido], que, carregando em seu corpo a dor da ferida causada por uma lança, ajudava as pessoas a encontrarem caminhos para vencerem os próprios desafios, aquele que integrou o luto pode emprestar um sentido para a dor, usando-a como catalizador em prol da ação no bem. Acionando a compaixão mais genuína, nascida da mais profunda ferida.


Eis um dos caminhos… tornarmo-nos aptos a compreender outras dores e, através dela, da nossa própria experiência, contarmos aos sofridos que também eles podem caminhar na vida, tornando os dias suaves e valorosos, na medida do possível.


Se você conhece alguém que já viveu a grande dor da alma, analise sua história, perceba seu caminho. Inspire-se em sua força.


Se conhece alguém que não conseguiu ainda elaborar sua experiência, esteja junto, sem cobranças nem palpites. Dê sua presença, seus ouvidos, seu colo (se assim ele quiser).


Por fim, pergunte a si mesmo se realmente se permite vivenciar a própria dor com lucidez, com os tais “ouvidos de ouvir”, comentados por Jesus.


Sabes escutar o que a dor tem a te dizer?


O que aprendeu com as experiências mais significativas, até aqui?


Quem sabe meu texto possa te dar alguma luz neste assunto…


Se isso acontecer, confesso que me sentirei feliz.


Por fim, creio que, se a dor fizer seu trabalho em nós e se, após este trabalho, estivermos mais fortes diante da vida, vencemos o grande desafio.


E que assim seja, se preciso for!



Claudia Gelernter 



E para aqueles que quiserem se aprofundar no tema, sugiro o magnifico site da amiga Nazaré Jacobucci, o Educação para a Morte, Perdas e Luto:


https://perdaseluto.com/author/nanajacobucci/




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