segunda-feira, 28 de julho de 2025

Credores no Lar

Muitas Tradições de Espiritualidade preconizam a reencarnação como sendo a única possibilidade de alinharmos a crença em Deus com as deformidades e aparentes injustiças que vislumbramos no mundo. Aqui, vemos uma criança em tenra idade com doenças sem solução; ali, outros tantos sem oportunidades no âmbito social, passando fomes e privações; outros que, na riqueza material na qual nasceram, se mantém distraídos do sentido da Vida, refastelando-se, consumindo e se perdendo em prazeres fugazes. Como conciliar Deus com o que vemos? Como perceber cosmos onde tudo nos parece caos? De que forma admitir uma Lei Justa e Amorosa, onde se sobressaem diferenças gritantes nas variadas camadas sociais? Sim, podemos analisar filosofias niilistas, materialistas, que nos esvaziam de qualquer esperança, encontrando nelas certa coerência racional, mas sem nenhuma coerência no âmbito do coração, quando as analisamos pelas vias do sentimento, da Alma. 

Adolpho Bezerra de Menezes, o médico dos pobres, contou que fora desafiado por um materialista de seu tempo a um debate e que respondeu, aceitando tal convite, desde que aquele homem, o desafiante, trouxesse até ele uma única pessoa que tivesse sido emocionalmente beneficiada pelas teorias materialistas. Qualquer pessoa que já tivesse tido suas dores amenizadas, seus anseios apaziguados através do niilismo.

Podemos, por outro lado, aventar que existe um sentido no que vivemos, que a Existência tem um propósito bom, justo e amoroso e que a dor não é um castigo, mas um convite. Muitos estudiosos da ciência atual comentam que quando irrigamos nossos corações com as águas da fé viva, quando abraçamos uma filosofia positiva, que traz Sentido e Esperança, temos, por consequência, melhores índices de harmonia, de felicidade, e, logicamente, menores índices de adoecimentos, muito menos depressão e tendências ao suicídio. São questões protetivas ao Ser.

Seguindo essa linha de pensamento, o Espiritismo se alinha às demais Tradições de Espiritualidade que admitem a reencarnação como única possibilidade para explicarmos
as desigualdades e situações que nos causam estranhezas, com a possibilidade de irmos além, com mais detalhes ditados pelos Espíritos, trazendo-nos maior coerência.

Na Doutrina compreendemos que nenhuma família se forma, na Terra, de maneira aleatória. Antes, se agrupam por necessidade dos Espíritos envolvidos, muita vez por amor, mas, em algumas situações, por resgates devido a situações lamentáveis,  de erros pregressos. Pais que recebem seus filhos, vindos do Mundo Maior, tem enorme carga de responsabilidade diante desta que é, sem dúvida, a maior de suas missões na Terra. Estes filhos recebem seus corpos, cuidados, segurança, orientações e muito mais. Aprendemos que não existe aleatoriedade e que estamos convivendo com aqueles que a Lei Divina nos aproximou com vistas a evolução de cada um e do grupo, muita vez arrastando dificuldades, desalinhos, mas também com sagradas oportunidades de reajustes, perdão e amor.

Emmanuel começa o capítulo 38 de O Livro da Esperança (psicografia de Francisco Cândido Xavier) nos convidando a uma reflexão sobre o versículo 19 do capítulo 19 de Mateus, quando Jesus nos orienta a honrarmos nossos pais e mães, relembrando-nos o quinto mandamento da Antiga Lei. Também destaca uma frase de Kardec, no capítulo 14, item 3 do Evangelho Segundo o Espiritismo, em que o mestre lionês dá mais alguns detalhes sobre o que seria honrar pai e mãe, tais como ajudá-los em suas necessidades, tratá-los bem em sua velhice, cercá-los de cuidados...

No mesmo capítulo, mas no item 9, Agostinho (Espírito) vai explicar que a ingratidão dos filhos é algo abominável... e, na mesma mensagem, busca ajudar os pais a compreenderem estes desafios que afetam tanto os corações, alertando para a realidade que muitos filhos são seus credores antigos. Por vezes são almas que vem para que aconteçam os ajustes, reconciliações e acertos, por conta de problemas em vidas anteriores.

Então ele diz aos pais: tenham paciência. Peçam guiança a Deus. Mantenham a força do amor e saibam que os esforços serão recompensados, pois o Amor é uma força irresistível e mesmo que essas dificuldades sigam, por muito tempo, dia chega, em alguma vida se não for nessa, em que as cascas caem, a raiva cessa, a gratidão chega...

Mas voltando nossa fala no que tange os filhos, quando a impaciência, a raiva, as cobranças com relação aos pais surge, cabe se perguntar: o que a criança que vive em mim tanto reclama, tanto exige? O que de fato me faltou, nesta vida? Fui privado de afeto? Fui privado de cuidados? Fui privado de respeito? Mesmo que tudo isso tenha se dado, cabe-nos buscar o diamante no pântano: a vida que pulsa. Nossos pais nos permitiram nascer. E, sabemos, a maior parte deles fez enorme esforço para que a vida seguisse... noites de vigília, muito trabalho na manutenção material, cuidados com segurança, etc. Isso é muito grande e importante para ser esquecido. Podemos ter nossas dores, mas precisamos também pensar no amor que se fez presente, em diversas linguagens.

Aceitar os pais é caminho de paz e força. Repelir os pais é atacar a si mesmo, dizem os humanistas. Eles estão dentro de nós...estejam bem ou mal encaixados.

Agora, retomando o apontamento do Cristo, o que seria, então honrarmos pai e mãe? Além de sermos gratos, o que está dentro do obvio, o que mais consistiria em honrá-los? Kardec fala sobre os cuidados dentro da relação, o que também consiste no básico, se pensarmos com a lente da gratidão... O que significa honrar, em seu sentido mais profundo? Se perguntarmos a pais que são saudáveis sob o ponto de vista psíquico e espiritual, pais que amam sem estarem eclipsados por suas próprias feridas, dirão: “Sinto-me honrado, sinto-me honrada com quando meus filhos fazem da sua vida uma vida de valor. Quando crescem, se desenvolvem, se tornam mais humanos e responsáveis. Quando assumem suas vidas como um presente sagrado que devem cuidar e usar, entregando seus talentos para si e para o mundo. Quando, por fim, são felizes, dentro de suas possibilidades... encontrando equilíbrio, mesmo diante dos desafios da Vida...” Porque na arte de serem pais, tudo o que mais importa é saberem que seus filhos conseguiram aquilo que aqui vieram aqui realizar, dentro e fora deles.

Isso seria honrar... isso faz os pais se sentirem felizes e plenos em suas missões.

Agora, voltando ao texto de Emmanuel, vamos ver que ele fala diretamente a estes pais que passam por dores e dificuldades nas relações com seus filhos. Começa o texto explicando que a Lei da reencarnação aproxima de nós nossos filhos, que são pérolas sagradas aos nossos corações e que, por vezes, surgem dificuldades grandes, com cobranças, ataques, evitações... filhos que desmerecem, desqualificam os pais.. e que essa dor é, de fato, muito intensa, mas que devemos levar em conta de que pode ser que sejam credores dentro do lar... são almas que vem em busca de reajustes e que precisam do nosso amor.

Vejamos ainda o que Emmanuel dita através de Chico: “Muitas vezes choras e sofres, tentando adivinhar-lhes os pensamentos para que te percebam os testemunhos de amor. Calas os próprios sonhos, para que os sonhos deles se realizem. Apagas-te, a pouco a pouco, para que fuljam em teu lugar. Recebes todas as dores que te impõem à alma, com sorrisos nos lábios, conquanto te amarfanhem o coração.

Quando te vejas, diante de filhos crescidos e lúcidos, erguidos à condição de dolorosos problemas do espírito, recorda que são eles credores do passado a te pedirem o resgate de velhas contas. Busca auxiliá-los e sustentá-los com abnegação e ternura, ainda que isso te custe todos os sacrifícios, porque, no justo instante em que a consciência te afirme tudo haveres efetuado para enriquecê-los de educação e trabalho, dignidade e alegria, terás conquistado em silêncio, o luminoso certificado de tua própria libertação. fui lendo.”

Conforme lia este capítulo de Emmanuel, lembrei-me do filme Big Fish, dirigido por Tim Burton. A história de um pai e seu filho... Edward Button e  Will...  O filho, até certa idade se encantava com as histórias que o pai contava... mas depois, além de duvidar, começou a sentir raiva... não entendia, culpava o pai por suas ausências, afastou-se... até que, quando Ed estava enfrentando a própria finitude, Will foi chamado a estar junto de seu pai... e, só ali pode perceber que ele sempre falou sobre verdades, mesmo que de maneira simbólica, mesmo fantasiosa... que ensinava o filho com essas histórias. Era parte de sua entrega a ele... Só alí, no momento da morte do pai, Will conseguiu compreender e se perceber muito amado por Edward...e saber do quanto este pai foi especial a tantos outros, no mundo... Pôde compreender e liberar as mágoas que guardava.

O filme é um convite a olharmos para nossas relações, de pais e filhos... O momento que ambos os personagens partilham, não só valida o amor do Will pelo pai, mas também mostra que o seu filho agora entende o que o pai sempre tentou dar-lhe.

Aliás, conta-se que o próprio Tim Burton estava ali falando da relação dele com seu pai...

Por fim, acredito que conseguimos um viver muito mais leve e equilibrado quando criamos um ambiente de paz e respeito no lar. Esta é uma das maiores bençãos nessa Vida.

Mesmo que não possamos estar próximos, que em nossos corações nossos pais e filhos tenham sempre um lugar de honra e amor!


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Baseado no cap. 38 de O Livro da Esperança;

No Evangelho de Mateus, cap 19, versículo 19 e no cap. 14 do Evangelho Segundo o Espiritismo, itens 3 e 9.

 

 

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