Dentre elas, a parábola do semeador é considerada “a parábola das parábolas”, não somente porque Jesus a teria explicado (interpretado) aos seguidores, mas também por sua importância, seu conteúdo e aplicações.
Conta-nos o Novo Testamento, que certa vez, estando à beira do Mar da Galiléia, Jesus decidiu falar a uma multidão. E para isso, decidiu entrar uma embarcação, enquanto os outros ficaram na beira do Tiberíades. Lá estando, começou, dizendo:
"O semeador saiu a semear; e quando semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho, e vieram as aves e comeram-na. Outra parte caiu nos lugares pedregosos, onde não havia muita terra; logo nasceu, porque a terra não era profunda, e tendo saído o sol, queimou-se; e porque não tinha raiz, secou-se. Outra caiu entre os espinhos; e os espinhos cresceram, e sufocaram-na, e não deu fruto algum. Mas outras caíram na boa terra e, brotando e crescendo, davam fruto, um grão produzia trinta, outro sessenta e outro cem. Disse: Quem tem ouvidos para ouvir, ouça." (Marcos 4:3-9).
A parábola do Semeador trata não da agronomia física, mas da agronomia metafísica, trata do terreno imprevisível do livre-arbítrio humano, onde nenhum semeador sabe, ao certo, se a semente será germinada e, o sendo, se chegará a dar frutos e novas sementes, como nos explica Humberto Rhoden, no livro "Sabedoria das Parábolas”
Importante destacarmos o fato de que os resultados de uma semeadura ficam a cargo de muitas variáveis, todas fora do nosso controle. Por certo ela fala sobre as verdades da grande Lei Divina, a Lei de Deus.
Mas não somente deste tipo de sementes está abastecido o nosso coração. E disto falaremos mais adiante.
Cabe iniciarmos dizendo que muitos acreditam possuir as sementes da Boa Nova, através das escrituras dita sagradas, mas quando passam a semear, o fazem com imposição, com ameaças e violência. São aqueles religiosos que, mesmo tendo lido que Deus é amor e Pai de todos nós, afirmam que somente sua religião pode salvar alguém. Afirmam-se cristãos, ou seja, admitem que Jesus trouxe uma nova proposta para o velho testamento, mas, dependendo das suas intenções, passam a usar apenas o antigo livro como medida para seus julgamentos.
Por exemplo, é verdade que no Antigo Testamento existe a proposta de julgamento severo aos infiéis, aos homossexuais, aos ladrões, etc., chegando ao absurdo de condenação por apedrejamento. Também lá está escrito que devemos matar cordeiros para que ele pague pelos nossos pecados, ou mesmo que devemos matar pombas antes e após a menstruação para nos purificarmos (no caso das mulheres). Entretanto com Jesus aprendemos que Deus é um Pai Amoroso e que devemos acolher a todos, orientando aqueles que desejam encontrar um novo rumo e que nem tudo o que julgávamos ser errado, de fato o é. Sabemos que o Mestre não condenou ninguém, mas, após a ajuda pontual, afirmava apenas: "Vá é não peques mais…”
Jesus revogou o que era de caráter humano, e ratificou o que era de inspiração de divina. Quando Jesus inicia suas observações dizendo “tendes ouvido o que foi dito aos antigos”, está se referindo a Moisés. E quando afirma: “eu porém, vos digo”, está modificando a legislação mosaica para uma visão de caráter universalista e perene.
Porém, existem os que estudam estas palavras e mesmo assim, de acordo com seus interesses, voltam os olhos para o que foi escrito mais de 1500 anos antes, pois naquele livro está contido um meio melhor de controle e dominação.
Do antigo testamento, Jesus destaca o amor a Deus acima de todas as coisas, registrado em Deuteronômio (6:5) e ao próximo como a nós mesmos, em Levítico (19:18). Quando o Mestre proclama que ali estão a Lei e os Profetas, deixa bem claro que os dois mandamentos sintetizam o que de melhor há naquela obra.
Semeadores atados ao ego que deseja domínio, poder, por vezes semeiam muito mais a divisão que a união. Semeiam a ruptura, o afastamento, a exclusão. Jamais estes resultados poderiam ser fruto das verdades imutáveis do Criador.
O mesmo Jesus comentou que podemos reconhecer a árvore por seus frutos, aliás.
E este mesmo problema pode se dar no meio espírita quando os pretensos semeadores começam a usar a ameaça do umbral (quase sempre com muita doçura em suas palavras) àqueles que não agem conforme está escrito os livros da Doutrina. Os muitos que acreditam que apenas os Espíritas podem despertar no mundo espiritual com alguma lucidez, sendo prontamente amparados pelos bons espíritos.… Existem, ainda, os que criticam outras religiões, acabando por incorrer no mesmo erro, por ser este um padrão de ruptura, de afastamento.
Nestes casos fica claro que o problema não está na religião em si, mas na interpretação dos seus semeadores. Por certo a semente divina é pura e verdadeira, mas quando ela passa pelo solo dos corações humanos passa a sofrer mutações. Deixa de ser a semente do sagrado para se tornar a semente interpretada, condicionada aos desvios do ego humano.
Para Cairbar Schuttel, em seu livro de nome “Parábolas e Ensinos de Jesus”, “A semente é uma só, é sempre a mesma que tem sido apregoada em toda parte, desde que o homem se achou em condições de recebê-la. E se ela não atua com a mesma eficácia em todos, deriva esse fato da variedade e das desigualdades de Espíritos que existem na Terra; uns mais adiantados, outros mais atrasados; uns propensos ao bem, à caridade, à liberalidade, à fraternidade; outros propensos ao mal, ao egoísmo, ao orgulho, apegados aos bens terrenos, às diversões passageiras.”
“Estamos incumbidos de preparar o reino do bem que Jesus anunciou. Daí a necessidade de que a ninguém seja possível interpretar a lei de Deus ao sabor de suas paixões, nem falsear o sentido de uma lei toda de amor e de caridade.” - alertou-nos Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, na questão n. 627.
Percebamos, portanto, que existe grande responsabilidade por parte dos que ensinam nos templos. Vale citar que Jesus condenou veementemente os religiosos hipócritas, chamando-os de cegos que conduziam cegos…
E podemos ampliar o conceito de semeadura, indo para as ações diárias dos semeadores, seus exemplos, suas palavras, seus pensamentos e sentimentos, em todos os momentos. Daí que podemos afirmar, junto com Kardec, que não se espera que o Espírita seja um santo perfeito, mas que ele se esforce, diuturnamente, em sua melhoria interior.
Que busque cuidar dos aspectos físicos, alimentando-se com responsabilidade, cuidando da própria saúde com consciência, sem uso de alimentos ou substâncias prejudiciais ao corpo; que cuide de suas relações, seja na família, no trabalho, com amigos ou, em sua comunidade, trabalhando pela melhoria dos ambientes onde transita. Que busque melhorar os aspectos da própria espiritualidade, ou seja, que busque elevar-se para além das coisas mundanas, do mundo terreno, respirando os ares do amor universal, buscando a própria transcendência. Por fim, que cuide de seus aspectos psíquicos, da forma como percebe, se impacta com a realidade da vida e de como interage com ela.
Aquele que lê, compreende e aceita que Deus está no leme, que não existem injustiças, mas colheitas e provas importantes, que compreende o seu papel no mundo a partir destas verdades imutáveis e universais, jamais se perde no desespero, na desesperança, na inconformação. Não sente ódio pelos que pensam diferente dele e segue no mundo, semeando, incessantemente, ciente de que cabe à Vida e não a ele transformar os solos do mundo, tornando-os aptos para o nascimento e frutificação das árvores de amor.
A partir desta perceptiva, quero ainda destacar alguns pontos sobre o papel do (bom) semeador.
1. Só semeia aquele que possui sementes. De quais sementes fala a parábola?
Como dito antes, são as verdades divinas. Para nos tornarmos semeadores precisamos, antes de mais nada, nos abastecermos de sementes e de boa vontade. O sol, os ventos, as chuvas podem nos desanimar neste caminho. Devemos então nos munir da boa vontade, da perseverança, doando o que temos de mais sagrado: nosso tempo em prol da semeadura. Mas nada de proselitismo! Muito cuidado para não tentarmos violentar consciências! A verdade está em toda parte e pode (e deve) ser passada sem rótulos religiosos. Basta para tanto alguma cautela, empatia e simancol.
2. Semear implica em deitar uma semente no solo. Portanto, temos aí uma intenção clara, inequívoca de que esta semente germine, cresça em planta e gere frutos e novas sementes. Existe a intenção de continuidade de uma vida, uma ideia ou uma ação. Quando semeamos buscamos resultados. No Karma Yoga ensinam que toda ação deve ser voltada para o bem, mas que todo resultado deve ser respeitado, aceito, compreendido. Ou seja, podemos e devemos semear coisas boas, entretanto, devemos ter em mente que os resultados dependem de muitas variáveis, nenhuma delas sob nosso controle. Somente a semeadura está sob um controle relativo nosso. Todo o restante dependerá de muitas coisas. É disso que a parábola fala, também. Nada de exigirmos que o solo esteja pronto! Cada qual tem seu tempo. Confiemos na Vida, em Deus. O tempo e as experiências farão o trabalho de preparo deste solo.
3. O ato de semear se dá através de pensamentos, palavras e ações. Quando oramos estamos semeando o bem. Quando aceitamos o que a vida nos propõe estamos semeando a paz. Quando mantemos a alegria no nosso dia-a-dia semeamos o bem viver. E assim por diante. Não se trata apenas de fazermos palestras ou batermos longos papos filosóficos, mas muito mais uma postura constante de vida para o bem.
Quanto aos quatro solos propostos na parábola, podemos destacar:
1. Á beira do caminho: São aquelas pessoas que estão totalmente desconectadas do sentido da vida. Pensam que a vida é apenas material, sem nada mais. e que viver pode ser um fardo ou uma busca incessante de diversões. Informações divinas não reverberam, no momento. Ainda sim devemos semear? Claro! Quando a vida trouxer experiências difíceis, a pessoa vai revirar os cofres da memória em busca de sementes que possam aliviar o sofrimento. Confiemos e continuemos a semeadura, certos de que ninguém fica a margem do processo evolutivo.
2. No solo pedregoso: Neste caso a raiz é fraca e o sol forte queimou o broto. São os que se alegram diante da proposta da semente, mas basta um contratempo, uma outra proposta para logo desistirem do caminho. São os que trocam facilmente uma palestra por um capítulo da novela ou um papo com amigos. Trocam um livro de teor mais elevado por um romance água com açúcar ou uma ficção passa-tempo. Como se o tempo não fosse algo sagrado….
3. Por entre os espinheiros: Aqui existe raiz, mas o broto é sufocado antes que possa gerar frutos. A vida na Terra não é mesmo fácil. São muitas demandas, muitos apelos e distrações. Quando o medo de perdermos as coisas materiais se torna constante, ou o receio de dizermos não a um parente que nos julga por sermos mais religiosos, ou porque existe o apelo pelo poder, etc., eis que a semente até gera uma planta, mas ela perece antes dos primeiros frutos. São aqueles que até estudam, mas quando a vida cobra, afastam-se de uma vivência mais espiritual. Destaco que não se trata de estarmos toda semana numa Casa Espírita, ou em uma igreja ou templo, mas de mantermos nosso contato com a própria prática espiritual, através da prece, do abastecimento emocional positivo, etc.
4. Em solo bom: São aqueles que tiveram algum progresso nas questões da Lei. Seus coração aceitam as verdades eternas com alegria e boa disposição. Conseguem compreender o papel da vida, das experiências e a missão que devem realizar neste contexto. Reconhecem seus talentos, utilizando-os pelo bem maior. Aceitam e trabalham. São gratos e confiam. Tratam suas feridas e seguem. Por fim, não são santos, como escrito acima, mas não descansam em berço esplêndido, cientes que são seres imperfeitos, e ainda assim amando a si mesmos, alterando aquilo que precisa ser mudado, com carinho e atenção.
Finalizando o texto, deixo aos amigos duas perguntas fundamentais, para que reflitam (quem sabe?), com atenção e sinceridade:
- Que tipo de semeador tenho sido?
- Que tipo de solo apresenta meu coração?
Abraços e boa reflexão!
Claudia Gelernter
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