Liesel não sabia ler, porém sentia enorme atração por livros e letras, vindo a se tornar uma escritora famosa,
na fase adulta. Sua mãe biológica, por ser comunista, foi perseguida pelos nazis e
jamais voltou para buscá-la. Porém, a garota seguiu sua jornada, tornando-se cada vez mais
forte, apesar dos grandes impactos de uma dura realidade.
Entretanto, a história nos remete a algo ainda mais profundo, para além da pequena menina de cabelos loiros
e pele de algodão:
no pano de fundo reconhecemos uma Alemanha nazista, endurecida, cheia de aspirações, mas com inúmeras famílias sofredoras, nem sempre adeptas do regime imposto,
sofrendo as agruras de um país repleto de dificuldades.
E é neste cenário que percebemos o famoso “outro lado da moeda”.
Convencionou-se julgar todos os alemães como assassinos sanguinários de judeus, mas não foi bem assim. Muitos deles arriscaram
suas vidas, tentando ajudar não apenas judeus, mas todos os que foram perseguidos pelos
membros da SS.
E, assim como neste filme, outras histórias trazem esta reflexão. O Caçador de Pipas é um exemplo. Conta-nos sobre os afegãos com muita delicadeza, fazendo que com que nos
identifiquemos com as famílias daquele país. Obras que nos fazem pensar para além do que é vendido nos jornais e revistas…
A questão aqui exposta trata de um ponto capital, problema milenar
do ego humano, que tende a analisar fatos e pessoas de forma rasa, maniqueísta e tendenciosa. Se é de esquerda, é ingênuo; se é de direita é alienado; se é da favela, é bandido; se é rico é esnobe. Se matou alguém é do mal, se ajudou os pobres, é do bem. Entretanto, todos os humanos possuem, ainda, mais
lados a serem observados, mais fragilidades que bênçãos, porque ainda desconhecem a verdadeira essência sagrada e se identificam demais
com a materialidade da existência. Ademais, as causas de muitas ações podem estar em percepções antigas, aprendizagens de infância ou mesmo de outras vidas, que
acontecem através
de outras pessoas e lugares.
Faz muito tempo que estudiosos da psiquê afirmam que somos o
produto de vivências
sociais, amplas, sendo profundamente influenciados pelos paradigmas impostos.
Embora o livre-arbítrio
seja uma premissa básica
para o Espiritismo, não é menos real que as relações nos afetam, sobremaneira, fazendo-nos tender para esta
ou aquela direção,
de acordo com o percebido/aprendido no meio. Todos estamos ainda em processo de
evolução,
portanto somos influenciados, quando as virtudes não foram devidamente aprendidas.
Além disso, cabe-nos observar que aquilo que parece absurdo
para uns, passa por normal para outros, de outra cultura. Aliás, mesmo na mesma cultura pode-se
entender algo como sendo bom, normal, quando em verdade trata-se de normose
(uma patologia da normalidade). Um exemplo simples é o consumismo como meta de vida, ou mesmo o Darwinismo
social, com competições
acirradas nas empresas, ou ainda os padrões de estética da atualidade, com seus apelos que passam longe de uma
vida mais saudável,
porque cheia de dietas rígidas e cirurgias reparadoras em corpos absolutamente saudáveis.
O que se mostra nestes casos é que nenhum julgamento costuma ser fruto de uma percepção 100% acertada, com todas as múltiplas variáveis (causas) sendo consideradas.
Já se sabe que questões transgeracionais fazem com que julguemos as coisas a
partir de determinadas lentes, quase sempre embaçadas, tendenciosas.
Mas não é apenas isto. Existem motivações inconscientes para as pedras que atiramos contra outras
pessoas. Freud comentou sobre a projeção - um mecanismo de defesa do ego, que faz com que
materiais que estão
na personalidade da pessoa e que são aversivos, sejam lançados para fora, contra outros. É assim que pessoas que sentem vontade de trair tornam-se
ciumentas, capazes de perseguir o (a) parceiro(a) diuturnamente, por
acreditar-se sendo enganadas. Ou mesmo aqueles que não conseguem mudar o modo de vida, embora desejem isto, então atacam aqueles que tem a coragem de
romper com padrões
ultrapassados.
Sob este aspecto, percebemos que a fofoca traz muito do
fofoqueiro. Não
foi por outro motivo que Freud disse que quando o Pedro fala sobre Paulo,
aprendemos muito mais de Pedro que de Paulo…
Desta maneira, podemos perceber que quando Jesus foi
interpelado pelos Fariseus enfurecidos, que traziam pelo braço aquela que foi julgada como adúltera, sua abordagem foi na mosca:
"Que atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecados”, disse ele.
Nesta frase o Mestre não apenas inclui os pecados realizados, os fatos consumados,
mas também
os desejos obscuros, uma vez que também destacou, em outra oportunidade, a questão do adultério por pensamento. E sob esta ótica, qual pessoa poderia estar isenta de problemas? Quem
poderia julgar com a autoridade do anjo perfeito?
No antigo testamento (também conhecido como Bíblia ou Torá, para os judeus), listamos 18 casos em que se deve
apedrejar pessoas até a morte. Casos simples, como os filhos mal criados, já seriam caso para
apedrejamento. Aliás,
para nós
Espíritas
ligados ao trabalho mediúnico, dá-se o mesmo. Em Levíticos, (Lv 20:27) está escrito que ”qualquer
homem ou mulher que evocar os espíritos ou fizer adivinhações, será morto. Serão apedrejados, e
levarão sua culpa”.
Está claro que os julgamentos mudam conforme as épocas e o entendimento de um povo, em
determinada cultura. Aquilo que antes era tomado por bom, hoje pode ser
considerado uma aberração. A escravidão dos negros, o holocausto dos judeus, a violência contra as mulheres engrossam o
caldo dos absurdos humanos, que antes eram tidos como atos normais. Oxalá chegue logo o dia em
que escravizar e matar animais também seja considerado um erro grave!
Quanto mais maduros, mais prontos para determinadas mudanças. Porém, mesmo quando passamos a trilhar caminhos mais virtuosos,
as armadilhas do ego podem nos fazer apontar o dedo para as pessoas que ainda não pensam como nós. Muitas vezes queremos nos destacar
do próprio
grupo humano, considerando-nos melhores que outros, mas desconsiderando as próprias sombras que carregamos em nosso
psiquismo infantil.
Atirar pedras verbais ou por pensamentos só denota nossa pequenez
emocional.
Pois, quando desejamos ardentemente melhorar as coisas, vamos
em busca de soluções
e não
de culpados. Descartamos julgamentos, incluímos novos planos de acerto.
A verdade é que, na maior parte das vezes destacamos no outro aquilo
que carregamos em nós.
Falamos das sombras a partir das nossas próprias sombras. Falamos das luzes, a partir das nossas próprias luzes.
Se realmente desejamos ajudar o mundo, buscamos o melhor
que existe na situação
e nas pessoas.
Sim, não se trata de termos um modo de viver “Poliana”, mas não nos prendermos ao pior, e sim ao que pode nos elevar.
Quando pergunto às pessoas, invariavelmente me respondem que desejam sentir
paz, amor e alegrias. Espanta-me perceber que, paradoxalmente, remam para outra
direção.
O que acontece é que sinto amor, quando amo. E amar é escolher a melhor porção do outro, amparando-o, para ele ele se desenvolva e tome
contato com sua essência
sagrada, que é o
verdadeiro Eu. Sinto paz, quando me pacifico. E pacificar-se também implica em observar as pessoas e os
fatos com equilíbrio,
não
se inflamando com o que não concorda. Sinto alegria quando ajudo, quando sou útil e bom. Destacar o mal e fazer
fofocas não
ajuda ninguém,
ao contrário,
só se
cristaliza o mal.
Ken Wilber, o pai da psicologia transpessoal, em seu livro Éden - queda ou ascensão, escreveu que "A essencia se um Ser não é determinada pelo mais baixo no qual
pode submergir - animal, id, macaco -, mas pelo mais elevado a que pode aspirar
- Brahman, Buda, Deus". É isso! Em essência somos todos deuses, disse Jesus. E se o somos, pedras
e paus não são instrumentos de despertar para esta
realidade maravilhosa, mas sim o amor, por ser ele o catalizador, o sentimento
excelso que reverbera e atinge as profundezas do nosso mundo sagrado - o Reino
em nós.
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