quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A Cura Distorcida

Para a Psicanálise, cura distorcida significa uma melhora abrupta, mágica, que alguns pacientes apresentam - resultado uma visão ilusória acerca do poder do terapeuta. A pessoa acredita que após alguns encontros já está curada, livre de seus males, sentindo-se plena, leve e feliz.

Creio que podemos pensar neste conceito fora do contexto terapêutico, no dia-a-dia das vidas de pessoas comuns, inseridas nesta nossa cultura que tanto privilegia os “aparentemente saudáveis e felizes”. 

Nos dias de hoje expressar tristeza tornou-se um perigo.  As pessoas passam a olhar o que sofre como um fracassado em potencial, um ser que certamente falhou, que não fez o seu melhor - o esperado para alguém que teve todas as chances de ser feliz.
Neste olhar enviesado, considera-se apenas o que o individuo deve ser capaz de fazer, descartando-se o meio no qual ele está inserido, as relações que vive, os dramas que já experienciou, todos os desamparos e sufocos com os quais se deparou.

Faz recordar a brilhante analogia usada pela Psicóloga Ana Maria Mercês Bock, quando diz que a sociedade exige que nos ergamos do pântano puxando nossos próprios cabelos...

Tornamo-nos nossos terapeutas mágicos, capazes de, após a leitura de algum manual de autoajuda, fazer verdadeiros milagres em nós mesmos.

E é por isso que o grande tapete da vida segue engordando suas pontas, pois vamos varrendo para debaixo dele nossas crises, nossos desgostos, nossas dúvidas e desesperos, apoiando-nos no velho refrão: “Siga a vida e seja feliz!”. 

Escondemos do mundo nossas dores e, pior que isso, escondemos de nós mesmos estes monstros terríveis, pois seria insuportável assumirmos o fracasso da tristeza diante dos olhares atônitos de outros seres “felizes”, com seus tapetes rechonchudos. 

A tristeza hoje é tratada como sendo uma anomalia do ser, numa tremenda confusão entre conceitos e sintomas, levando pessoas a acreditarem-se adoecidas, quando, na verdade, tais sentimentos fazem parte da própria natureza, do caminho de crescimento de cada um.

Não há nada de patológico nisso, ao contrário.

Impossível evoluirmos psíquica e espiritualmente sem nos lançarmos na incrível e temerosa aventura de irmos ao encontro de nós mesmos. Sim, esta viagem nos causará dor, nos deixará tristes, chateados por algum tempo. Porém, isso nada tem a ver com depressão – este mal que estamos jogando no senso comum, acreditando que todos os que choram por mais de três dias estejam acometidos por tal doença.

Considero que, no oba-oba das redes sociais, nas repetidas saídas em baladas, no mergulhar no trabalho ou em outras atividades sem fim, podemos constatar sintomas dos que fogem do compromisso íntimo, dos que vivem a vida como personagens da revista “Caras”, desfilando seus “sucessos” por aí.
Comportamentos que denotam uma antiga frase usada por minha avó: “Por fora bela viola, por dentro, pão bolorento”.
Se na Psicanálise a cura destorcida fala sobre uma maquiagem psíquica que com o tempo desbota e desaparece, nos dias atuais, esta ‘idolatria do ter’ e do ‘parecer ser’ acaba por desembocar na mesma questão.
Não estamos bem porque negamos o mal que há em nós. 

Só quando decidirmos olhar para as questões em aberto que carregamos nos porões da alma, conseguiremos dar-lhes um sentido, podendo então fazer escolhas mais honestas, sem distorções nem disfarces, com uma mudança robusta, vivendo de forma mais autêntica. 

Não se iluda. Demoramos um bom tempo e tivemos a intervenção de muitas pessoas para chegarmos até aqui na forma como estamos.

Portanto, e sabendo que milagres não existem, no caminho inverso desta trilha vivida não podemos crer que em pouquíssimo tempo ou com medidas paliativas e romanescas – à la pão e circo - iremos sanar as dores da alma.

Tempo e investimento são as palavras de ordem. 

E as lágrimas serão, neste percurso, os sinais de contato com nossas profundezas.
Aceitemo-las como amigas que chegam para regar nossas esperanças nos passos da grande viagem.  

Não sei se estaremos verdadeiramente curados no final desta estrada, mas certamente estaremos transformados, o que será, sem dúvida, uma grande vitória.
Claudia Gelernter

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