Creio que podemos pensar
neste conceito fora do contexto terapêutico, no dia-a-dia das vidas de pessoas
comuns, inseridas nesta nossa cultura que tanto privilegia os “aparentemente
saudáveis e felizes”.
Nos dias de hoje expressar
tristeza tornou-se um perigo. As pessoas
passam a olhar o que sofre como um fracassado em potencial, um ser que
certamente falhou, que não fez o seu melhor - o esperado para alguém que teve
todas as chances de ser feliz.
Neste olhar enviesado,
considera-se apenas o que o individuo deve ser capaz de fazer, descartando-se o
meio no qual ele está inserido, as relações que vive, os dramas que já
experienciou, todos os desamparos e sufocos com os quais se deparou.
Faz recordar a brilhante
analogia usada pela Psicóloga Ana Maria Mercês Bock, quando diz que a sociedade
exige que nos ergamos do pântano puxando nossos próprios cabelos...
Tornamo-nos nossos
terapeutas mágicos, capazes de, após a leitura de algum manual de autoajuda,
fazer verdadeiros milagres em nós mesmos.
E é por isso que o grande
tapete da vida segue engordando suas pontas, pois vamos varrendo para debaixo
dele nossas crises, nossos desgostos, nossas dúvidas e desesperos, apoiando-nos
no velho refrão: “Siga a vida e seja feliz!”.
Escondemos do mundo nossas
dores e, pior que isso, escondemos de nós mesmos estes monstros terríveis, pois
seria insuportável assumirmos o fracasso da tristeza diante dos olhares
atônitos de outros seres “felizes”, com seus tapetes rechonchudos.
A tristeza hoje é tratada
como sendo uma anomalia do ser, numa tremenda confusão entre conceitos e
sintomas, levando pessoas a acreditarem-se adoecidas, quando, na verdade, tais
sentimentos fazem parte da própria natureza, do caminho de crescimento de cada
um.
Não há nada de patológico
nisso, ao contrário.
Impossível evoluirmos psíquica
e espiritualmente sem nos lançarmos na incrível e temerosa aventura de irmos ao
encontro de nós mesmos. Sim, esta viagem nos causará dor, nos deixará tristes,
chateados por algum tempo. Porém, isso nada tem a ver com depressão – este mal
que estamos jogando no senso comum, acreditando que todos os que choram por
mais de três dias estejam acometidos por tal doença.
Considero que, no oba-oba
das redes sociais, nas repetidas saídas em baladas, no mergulhar no trabalho ou
em outras atividades sem fim, podemos constatar sintomas dos que fogem do
compromisso íntimo, dos que vivem a vida como personagens da revista “Caras”,
desfilando seus “sucessos” por aí.
Comportamentos que denotam
uma antiga frase usada por minha avó: “Por fora bela viola, por dentro, pão
bolorento”.
Se na Psicanálise a cura
destorcida fala sobre uma maquiagem psíquica que com o tempo desbota e
desaparece, nos dias atuais, esta ‘idolatria do ter’ e do ‘parecer ser’ acaba
por desembocar na mesma questão.
Não estamos bem porque
negamos o mal que há em nós.
Só quando decidirmos olhar
para as questões em aberto que carregamos nos porões da alma, conseguiremos
dar-lhes um sentido, podendo então fazer escolhas mais honestas, sem distorções
nem disfarces, com uma mudança robusta, vivendo de forma mais autêntica.
Não se iluda. Demoramos um
bom tempo e tivemos a intervenção de muitas pessoas para chegarmos até aqui na
forma como estamos.
Portanto, e sabendo que
milagres não existem, no caminho inverso desta trilha vivida não podemos crer
que em pouquíssimo tempo ou com medidas paliativas e romanescas – à la pão e
circo - iremos sanar as dores da alma.
Tempo e investimento são
as palavras de ordem.
E as lágrimas serão, neste
percurso, os sinais de contato com nossas profundezas.
Aceitemo-las como amigas
que chegam para regar nossas esperanças nos passos da grande viagem.
Não sei se estaremos
verdadeiramente curados no final desta estrada, mas certamente estaremos
transformados, o que será, sem dúvida, uma grande vitória.
Claudia Gelernter
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