sexta-feira, 27 de maio de 2016

Assumir uma posição diante da crise, sendo Psicóloga, é errado?

Não faz muito tempo, li uma entrevista com a Monja Coen (líder espiritual que muito admiro), na qual ela dizia sentir a necessidade de se posicionar, diante das questões políticas, na atualidade, em nosso país. Então, vestida de branco, foi às ruas, pedir por justiça, dando seu contra ao ataque à democracia, defendendo o poder do voto e o Estado laico. Dentre outras coisas, disse, ao jornal El País, sobre o processo de impeachment da presidente: "O que eu vi naquela votação na Câmara foi um circo. E pensei, depois: que bom que eu estou do lado daqueles que perderam essa votação. Porque eu não gostaria de estar do lado daqueles que ganharam. Porque eu teria muita vergonha. Pois aquilo não foi honesto…
Ao ler seu depoimento, senti-me acalentada, embora não menos entristecida com o atual quadro político. Se me acalma o fato de não ter escolhido o lado podre da maçã, de outro, sei que todos perdemos com aquela barbaridade.
Acontece que, não raro, pessoas criticam profissionais que, como eu, apresentam uma posição definida, clara, lutando contra aquilo que já aprendeu ser nocivo ao humano, de alguma maneira. Dizem que “melhor é manter uma posição de neutralidade, evitando-se influenciar pessoas, ou ainda para que não deixem de ir para clínica, por pensarem diferente neste contexto, trazendo queda financeira associada, exposições, etc."
Então, eu pergunto: Oras, se meu trabalho também está focado na diminuição sofrimento humano, buscando acabar com as desigualdades, com as perseguições, com a injustiça e todo o seu resultado nefasto, como posso manter-me neutra? Como calar a voz diante de tantos desvarios, mantidos por visões estrábicas, criadas a partir de uma educação conservadora?
Ademais, assumir uma posição de esquerda não é possuir desejo de “nivelar todos por baixo”, como afirmam os conservadores, mas diminuir sim a desigualdade, com medidas práticas, com políticas sociais amplas, no mínimo (só para começar) retirando o país da linha da miséria, por exemplo. 
Porque nós Psicólogos, comprometidos com o humano, já estudamos teorias sociais e sabemos que existe uma parte da população sem voz, excluída, marginalizada, incapaz de dizer seus sofrimentos com  propriedade. São nosso resultado de sistema, nossa pedra no sapato - aquela verdade que tentamos colocar debaixo do tapete, a todo custo. 
Assim como é mais simples fazer de conta que o bife do prato chegou lá sem nenhuma escravidão ou sofrimento envolvido, tendemos a olhar os miseráveis do país dizendo que são os vagabundos nordestinos, incompetentes e encostados. No ápice da cegueira, chegam a dizer que se trata de castigo divino, como se os mais ricos fossem os privilegiados de Deus…
Sim, falar a partir de onde estamos, é simples. Mais fácil manter a visão conservadora, quando somos de uma classe que consegue alimentar-se, agasalhar-se, manter viagens ou um teto para se proteger. Nada contra estas conquistas, aliás, porém, que elas nos ajudem a melhor ajudar, muito além do assistencialismo que prepondera na visão de alguns, mas no empoderamento, no direito a uma educação digna, que esclarece também sobre estes laços perversos, impostos pelo capitalismo.
Além disso, o que deveria estar em discussão (quem sabe?) é a capacidade de um profissional e esta não pode ser avaliada por sua postura política, tão somente. 
Um bom psicólogo jamais critica esta ou aquela religião, mas acata a todas as religiões, em seu aspecto de transcendência. Acredita e defende a equidade, o acolhimento, o direito a educação. Sabe da capacidade de superação, vive e trabalha com coerência as teorias que abraça, busca incessantemente o conhecimento, a releitura do eu, o questionamento de verdades impostas, o Estado laico, etc. E isso tudo é totalmente apartidário. Não leva legendas, pois ele sabe que estas mudam conforme a música que toca na rádio dos aproveitadores de plantão.
Por fim, trata-se de uma forma de perceber, sentir e existir no mundo. E, claro, está muito acima de uma sigla política, de determinado país. 
Portanto, aos defensores deste ou aquele partido, repito: não estou do lado de nenhum deles. Mas defendo a democracia, sempre. Refuto as polarizações, o discurso de ódio, a perseguição aos gays, negros, mulheres, índios, etc. Luto pelas conquistas sociais e temo o retrocesso.
E é por todos os motivos acima expostos que transcrevo, abaixo, os seis itens descritos no pronunciamento do CFP (Conselho Federal de Psicologia) sobre a atual crise política em nosso país, para que compreendamos que, acima de tudo, o que faço também é Psicologia, na mais ampla acepção deste conceito:

1. Somos veementemente contrários a uma justiça seletiva, parcial e partidarizada, que mantém a desigualdade e a exploração dos mais pobres, captura direitos civis básicos, criminaliza e promove julgamentos públicos em casos em que processos jurídicos tenham sequer sido abertos.
2. Repudiamos as tentativas de ruptura com o Estado Democrático de Direito e os movimentos em direção a um Estado Policial, com sérias ameaças e violações a democracia.
3. Condenamos o papel manipulador da mídia que, servindo a interesses econômicos, provoca convulsões sociais e fazem aflorar sentimentos de rivalidade, ódio e descontrole nas manifestações sociais e participação popular.
4. Somos contrários a toda forma de corrupção, própria de um sistema que se funda na exploração daqueles que produzem as riquezas e não podem delas desfrutar. No entanto, a corrupção não será combatida sem um processo judicial ético e transparente, que respeite todas as instituições democráticas e, principalmente, que promova a consciência política do povo brasileiro sem que seja golpeado ou enganado em suas principais demandas.
5. Reivindicamos que todas as propostas de combate à corrupção tenham um caráter republicano e não sensacionalista, e que, de fato, puna todos aqueles que incorreram em ilegalidades, não selecionando quem será punido ou não, a partir de interesses políticos que disputam projetos distintos de sociedade.
6. Por fim, e não menos importante, queremos nos posicionar de modo solidário e defensor do direito de mulheres, negros, indígenas, jovens, população de rua e comunidade LGBT, que sofrem violência, entendendo que uma sociedade construída em bases humanitária, igualitária e justa é uma sociedade que assume, incondicionalmente, a consolidação dos Direitos Humanos em todas as instâncias e contextos sociais.
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Para mais informações do CFP, acessar:
http://site.cfp.org.br/nota-do-cfp-sobre-o-atual-momento-da-conjuntura-politica-e-social-brasileira/

Daclarações da Monja Coen, no jornal El País:
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/28/politica/1461874978_938192.html

3 comentários:

nando disse...

Parabéns Cláudia pelo lindo relato,e não esqueça que assumir uma posição, discutir é também uma ciência de ajudar as pessoas esclarecerem-se diante de tanta ignorância que sola o nosso planeta Terra Abraços Nando.

nando disse...

Parabéns Claudia pelo belo relato e não esqueça que assumir uma posição,ou simplesmente ouvir, é também uma ciência de ajudar, continue com sua sabedoria pra lutar contra tanta ignorância, que ainda assola este planeta Terra, que um dia haverá solidariedade e fraternidade e igualdade Abraços Nando.

nando disse...

Parabéns Claudia pela lucidez dos seus comentários,num momento difícil que passa o Brasil..Abraços Nando.