domingo, 23 de outubro de 2016

A Ansiedade e a Vida Que Passa: Discutindo a Ansiedade Normal e a Ansiedade Patológica

Você já se deu conta de que muitas vezes chega ao seu destino, guiando seu carro, sem saber explicar direito como fez isso, por onde passou, o que viu pelo caminho? Ou ainda já passou pela situação de ligar o computador para responder a determinado e mail, perdendo-se em outros atalhos, como por exemplo uma postagem na rede social ou a leitura de um texto, desligando o computador, tempos depois, sem se lembrar do que pretendia fazer, a princípio?

Isso infelizmente é bastante comum e denota falta de foco graças a ansiedade com inúmeros assuntos mantidos “em aberto” na rede mental, muitos deles levando o status de urgência, quando na verdade poderiam ser pensados e resolvidos em momento mais apropriado.

Parece que nos dias atuais estamos todos ligados em alta voltagem, girando em rotação 78, torcendo sempre por um milagre de multiplicação das horas. Como se a programação natural da vida não nos fosse mais o suficiente. Precisamos sempre de mais: mais tempo para conseguimos realizar mais atividades, para conseguirmos mais dinheiro, para podermos comprar mais e, no fim, gastarmos mais, inclusive com a saúde física e mental. Faz lembrar o paradoxo proposto pelo Dalai Lama, que disse que “Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem do presente de tal forma que acabam por não viver nem o presente nem o futuro. E vivem como se nunca fossem morrer - e morrem como se nunca tivessem vivido.” 

E os minutos e dias passam, sem que o momento presente receba a devida atenção - único instante em que realmente temos a condição de realizarmos alguma coisa melhor para o amanhã.  

Sendo assim, a ansiedade tornou-se um mal que paralisa um número enorme de pessoas, pelo mundo afora. Alguns estudiosos comentam que se trata de um problema da era moderna e que a ocorrência deste mal se dá por conta da agitada dinâmica  de nossas vidas, na modernidade, com uma sociedade fundamentada em um eixo industrial, competitivo, de consumismo, repleto de expectativas de desempenho, etc. Bastaria participar nesta sociedade para sermos ansiosos. Seria, portanto, uma condição do homem moderno, uma determinação comum a todos nós.

O que acontece é que carregamos a possibilidade de estarmos ansiosos desde sempre, uma vez que potencialmente esta condição sempre esteve fisiologicamente presente no mundo animal, a partir dos répteis. Como humanos, na época em que morávamos nas cavernas, convivíamos com o medo de sermos aniquilados por algum predador faminto, ou nos acidentarmos, por exemplo. E este dispositivo de proteção nos serviu até aqui,  na pós modernidade,  mantendo-nos enquanto espécie, porém em um mundo radicalmente diferente. Nossos medos não estão mais circunscritos a um evento no aqui-e-agora, uma necessidade de fuga-ou-luta, dependendo do evento, mas a um sem número de receios abstratos, futuros, de acordo com as expectativas sociais e pessoais. Só que o nosso corpo não está devidamente adaptado a esta mudança brusca dos últimos séculos. 

Aquela ansiedade, que originalmente era desencadeada pela ameaça de sobrevivência, pelo medo,
passou a fazer parte do cotidiano, só que a serviço de uma existência cheia de exigências, não dependendo apenas da natureza dos eventos, como ocorre com os animais, mas de acordo com o significado que atribuímos a eles, de acordo com nossos recursos emocionais, da forma como percebemos fatos e pessoas e de como usamos nossos mecanismos de enfrentamento.

Ou seja, estarmos ou não ansiosos, depende fundamentalmente de como lidamos com os eventos, da nossa personalidade, e não tanto dos eventos em si. Por exemplo, para muitos, o anoitecer pode ser um evento natural, momento de relaxamento e de curtir a família, mas para os nictofóbicos (pessoas com fobia da noite ou escuro)  pode ser motivo de terror e desespero.

Carregamos até hoje o mesmo mecanismo de luta-e-fuga, que antes era destinado tão somente à sobrevivência, por conta dos perigos da vida. Porém, no homem moderno, estas ameaças primitivas, reais, com um objeto concreto a ser combatido, no tempo e no espaço, deram lugar a ameaças abstratas, constantes, internalizadas. O perigo deixou de ter um lugar fora e passou a morar dentro de nós. Vamos dormir e acordamos com ele. Já não nos detemos nas lutas tribais, já não precisamos fugir de animais ferozes. Na atualidade tememos a competitividade, a segurança nas ruas e nas casas, a queda na economia, as conquistas futuras, as prestações em atraso, o vestibular… Todas estas condições passaram a ter o mesmo significado de ameaça e de perigo que tinham os eventos que ameaçavam nossos ancestrais.

E já que carregamos este elemento biológico, capaz de reagir sempre que sob algum tipo de ameaça (seja ela real ou imaginária), hoje realmente convivemos com uma ansiedade crônica, contínua, altamente prejudicial à saúde física e psíquica. 

Ela - a ansiedade - surge em nossas vidas como uma sensação de temor, de algo está para acontecer, representando um estado de alerta e uma constante pressa em terminar o que começamos. Se antes a adrenalina subia de quando em vez, hoje ela é aumentada quase que diariamente. 

Importante lembrar que a ansiedade pode até nos ajudar, quando surge para nos favorecer no desempenho e adaptação. Porém, o faz somente até certo ponto, até que nosso organismo atinja seu máximo de eficiência. A partir daí, quando atinge um ponto a mais, a ansiedade poderá causar o fim da capacidade adaptativa. (imagem abaixo)




Excesso de Ansiedade e as síndromes ansiosas:

Imagine que está dirigindo seu carro a caminho do trabalho e então um caminhão corta sua frente, exigindo que seus reflexos atuem, instantaneamente. Suas mãos levam a direção para o lado direito, buscando o acostamento, enquanto o pé direito sai do pedal do acelerador, afundando com força no freio.Você sente seu coração acelerado, a respiração idem. Um batia susto! Todo o corpo se altera, com sensações que vão desde a cabeça até os pés. 
Para que estas reações mecânicas aconteçam, com a intenção inequívoca de manter sua vida, é preciso haja uma verdadeira revolução interna, a partir da percepção sobre a investida do caminhão e da interpretação do seu hipotálamo sobre o que viu. Se a interpretação é de perigo, imediatamente seu dispositivo interno de luta-ou-fuga será acionado, alterando muitas substâncias, para que todos os seus órgãos atuem de forma eficiente e imediata, para resguardar sua vida. 

O que acontece é que processo, quando experimentado vez ou outra, não acarreta grandes prejuízos em nossa saúde física e mental. Entretanto, como explicado acima, quando passamos a ter reações de estresse em variados momentos, a questão muda, podendo gerar diferentes problemas, podendo chegar ao ponto de desenvolvermos síndromes ansiosas.

Dr. Paulo Dalgalarrondo, em seu livro Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais, explica que existem dois grandes grupos de síndromes ansiosas: Um grupo que consiste em quadros nos quais a ansiedade é constante e permanente (ansiedade generalizada, livre e flutuante) e quadros em que existem crises de ansiedade abruptas e mais ou menos intensas (são as chamadas crises de pânico, que podem configurar, se ocorrerem de modo repetitivo, o transtorno de pânico).  “O quadro de ansiedade generalizada caracteriza-se pela presença de sintomas ansiosos excessivos, na maior parte dos dias, por pelo menos seis meses. A pessoa vive angustiada, tensa, preocupada, nervosa ou irritada. Nesses quadros, são freqüentes sintomas como insônia, dificuldade em relaxar, angústia constante, irritabilidade aumentada e dificuldade em concentrar-se. São também comuns sintomas físicos como cefaléia, dores musculares, dores ou queimação no estômago, taquicardia, tontura, formigamento e sudorese fria. Alguns termos populares para esses estados são: “gastura”, “repuxamento dos nervos” e “cabeça ruim”. (Dalgalarrondo, p. 305)
Já as crises de pânico são momentos de intensa ansiedade, nas quais ocorre importante descarga do sistema nervoso autônomo. Assim, ocorrem sintomas como: batedeira ou taquicardia, suor frio, tremores, desconforto respiratório ou sensação de asfixia, náuseas, formigamentos em membros e/ou lábios. Além disso, ocorre com freqüência nas crises de pânico um considerável medo de ter um ataque do coração, um infarto, de morrer e/ou enlouquecer. As crises são de início abrupto (chegam ao pico em 5 a 10 minutos) e de curta duração (duram geralmente não mais que uma hora). São muitas vezes desencadeadas por determinadas condições, como: aglomerados humanos, ficar “preso” (ou com dificuldade para sair) em congestionamentos no trânsito, supermercados com muita gente, shopping centers , situações de ameaça, etc. Denomina-se o quadro de transtorno de pânico  caso as crises sejam recorrentes, com desenvolvimento de medo de ter novas crises, preocupações sobre possíveis implicações da crise (perder o controle, ter um ataque cardíaco ou enlouquecer) e sofrimento subjetivo significativo. A síndrome do pânico pode ou não ser acompanhada de agorafobia, ou seja, fobia de lugares amplos e aglomerações. 
Os tratamentos indicados para as pessoas que desenvolveram estas síndromes comportam visitas ao psiquiatra, com possível uso de medicamentos, além de psicoterapia e outras terapias e práticas alternativas, tais como a yoga e a meditação. Vale dizer que o mindfulness - técnica largamente utilizada pela Psicologia atual como ferramenta de controle da ansiedade e depressão, nada mais é que uma nova visita aos antigos ensinamentos védicos (2400aC) e budistas (600aC), no qual a pessoa foca a mente do aqui-e-agora, utilizando-se para isso de técnicas respiratórias e de manejo mental. 

Mesmo sem desenvolvermos transtornos psiquiátricos, estamos com problemas? 

Sem dúvida podemos afirmar que não precisamos apresentar sintomas físicos para nos darmos conta de que uma mente constantemente ansiosa pode causar perda de foco, problemas nos relacionamentos e mesmo dificuldades para a conclusão de tarefas. Pequenas decisões de cotidiano podem se tornar um tormento, já que um ansioso tende a querer ter controle total das circunstâncias, como se isso fosse possível. Aliás, já dizia o psicólogo espanhol Joan Garriga Bacardi que “quando queremos freneticamente controlar algo ou alguém, a única coisa que conseguimos é descontrole.”  
Nesta mesma linha, budistas, com bom humor, costumam utilizar o seguinte lema: “Relaxe! Nada está sob controle!”. 
A impermanência é uma marca da vida, que altera tudo e todos, o tempo todo. Nada é extático. E na contramão desta verdade, ansiosos tendem a crer que existe um controle, baseando suas análises em planilhas falsas, construídas em uma mente filogeneticamente programada para dar muito mais ênfase aos aspectos negativos da experiência que os positivos. 
Sempre comento com meus pacientes que se eles colocassem a verdade de suas experiências em planilhas reais, pautadas no que realmente aconteceu, teriam muito mais o que comemorar que temer. 
Entretanto é verdade o que neurocientistas comentam: que somos programados para destacar aquilo que de difícil nos aconteceu ou pode vir a acontecer. Somos “naturalmente" pessimistas, portanto. Sendo assim, o trabalho de alterar nossos padrões mentais torna-se urgente, porque importante e necessário. Sabemos que não se trata de tarefa fácil, porém inadiável.


Como diminuir nosso padrão de ansiedade?

Seria impossível explicar aqui, em algumas frases, tudo o que devemos alterar em nossas vidas para conseguirmos uma mente mais calma, harmoniosa, equânime. Entretanto, um resumo essencial sempre é possível, cabendo aos leitores a pesquisa mais aprofundada, ou mesmo a busca de ajuda psicoterápica, caso seja possível. 

* Primeiramente destaco a importância de atividades junto a natureza, como caminhadas meditativas, contemplativas, nas quais o silencio das palavras pode dar lugar a olhos e ouvidos abertos e atentos ao que acontece no instante imediato. Esta atividade pode ser muito prazerosa e, quem sabe, uma possibilidade de grandes descobertas, internas e externas. Recordemos que somos seres naturais e que, portanto, o contato com a natureza pode nos proporcionar enormes benefícios, quando estamos realmente presentes na experiência.
* Busque dar mais atenção à sua respiração. Observe como respira, neste instante. Tente fazer isso, caso seja possível, utilizando-se apenas das narinas, inspirando conscientemente e expirando longamente, observando o subir e o descer do abdome e dos pulmões. Faça isso por alguns minutos. Sempre que pensamentos cruzarem sua mente, buscando roubar a sua atenção, desapegue. Tome consciência sobre a natureza do pensamento e em seguida, libere-o, voltando a focar, gentilmente, no simples ato de respirar. Esta prática, quando se torna hábito, ajuda sobremaneira no controle da ansiedade.
* Tente desenvolver o hábito da meditação diária. Vários cientistas estão dizendo, através de estudos e pesquisas que sim, esta prática traz muitos benefícios para o corpo e para a mente.
* Mentes ansiosas amam trabalhar com metas. Então use esta tendência para o seu bem - crie metas, sem datas específicas, para conquistar seu bem estar mental e físico. Faça uma lista e vá trabalhando, aos poucos, para o seu bem geral. Depois de pouco tempo já perceberá os benefícios.
* Analise e perceba, informalmente, como somos todos imperfeitos e que isso é um estado natural do ser humano. Sendo assim, busque integrar em você os aspectos que considera negativos em sua personalidade. Não se trata de algo passivo, claro, mas de aceitar-se como é, para só depois ir trabalhando com o que se deseja mudar. Só assim, quando nos aceitamos, podemos acalmar nossas mentes, pois também temos mais chances de aceitarmos as outras pessoas como elas são.
* Trabalhe a aceitação incondicional da vida. Entenda que não se trata de concordar com tudo, nem ficar extático diante da realidade, mas não resistir ao inevitável. Lamentos e revoltas só nos desgastam, tornado a mente ansiosa, cheia de tormentos voluntários.
* Seja grato (a). Todos os dias, no final de sua jornada, antes do momento do sono, pense em tudo o que de bom te aconteceu. Faça uma lista, refletindo sobre estes eventos, tentando perceber como seria se eles não acontecessem, ou pior, se ocorresse o contrário. Este exercício, além de promover enorme bem estar, através da liberação de substâncias específicas, nos ajuda nesta reprogramação mental, com ênfase nos aspectos positivos da experiência. 
* Não lute contra o relógio. Se comprometa com menos coisas. Repense a possibilidade de uma vida mais simples, sem tantas exigências materiais.
* Não dê tanto destaque ao que as pessoas falam e pensam sobre você. Pense no quanto tem conseguido superar a você mesmo e comemore este caminhar. Impossível não frustrarmos os outros, vez ou outra.
* Viaje sempre que puder, mas sem estar preocupado em registrar imagens, mas apenas em absorver com a mente aqueles instantes de descoberta e encantamento. Tenha a atitude do peregrino e não do turista…
* Ajude mais pessoas. Escute o que elas tem a dizer. Esteja mais atento às necessidades dos outros. Este exercício nos coloca em contato com diversas experiências interessantes, por vezes sofridas, mas que nos mostram a capacidade de superação e força que nós humanos carregamos em nossas almas. 
* Sorria mais. Não faz muito tempo cientistas da mente descobriram que aqueles que sorriem, mesmo sem nenhum motivo, ou até mesmo indo contra aos sentimentos do momento, acabam por seduzir a mente, causando impactos positivos no emocional. 

Receitas no cristianismo, no hinduísmo e no budismo apontam nesta mesma direção?


Lendo este artigo alguns podem pensar que só na atualidade é que estamos tendo contato com estas importantes receitas de saúde mental. Ledo engano!
Antes mesmo de Jesus, no livro dos Vedas já encontramos trechos que nos ensinam como apaziguar nossas mentes, através de práticas yóguicas, meditações e postura ética diante do mundo e conosco mesmos. O Evangelho de Jesus, costumo dizer, é um verdadeiro manual de profilaxia mental, prevenção contra males diversos, sejam físicos ou mentais. Buda também seguiu esta linha e dedicou sua vida a encontrar respostas sobre as causas do sofrimento humano e as possíveis medidas de prevenção e cura para estes sofrimentos. 
A verdade é que a fala de todos os sábios (Lao-Tsé, Buda, Confúcio, Jesus, etc.) trazem uma mesma verdade essencial e universal: que devemos focar no momento presente, confiar na dinâmica da vida, dar menos importância aos aspectos materiais, fazer o nosso melhor por tudo e todos e sermos gratos ao universo por aquilo que nos acontece, de “bom"e de “ruim" (entre aspas porque nem sempre aquilo que consideramos bom é realmente bom e vice-versa). Aliás, diz um interessante ditado catalão que “Não há mal que por bem não venha”. No fim, é isso. Inteligentes são os que buscam identificar este aspecto positivo no meio da experiência difícil.

Como sermos os guardiões de nossa saúde mental?

Desde a mais tenra idade somos treinados a focar fora de nós. Pequenos móbiles, chamados, falas, histórias, estímulos outros sempre nos conduziram ao mundo exterior. Raros são aqueles que desenvolveram a autopercepção. Analisar como sentimos as coisas, de que maneira reagimos aos eventos, de que forma conduzimos as coisas é uma atitude necessária para os que desejam alterar os padrões da mente, construindo uma personalidade mais tranquila, menos reativa.
Sempre que sentir alguma emoção, pare e questione: O que estou sentindo? Tente nomear este sentimento, seja ele de raiva, ciúmes, inveja, tristeza, alegria… Coloque um rótulo e reflita do porquê ele surgir em seu coração. Perceba que em muitas circunstâncias damos mais valor àquilo que nem era tão importante… com o tempo percebemos que não seria preciso perder tanta energia emocional com determinadas situações….
Escolha estar bem. Escolha encontrar soluções e não culpados. Preserve-se, observando os itens que destaquei acima, estudando mais sobre o psiquismo humano, buscando praticar as lições passadas pelos grandes Mestres.
Perceba que a vida é breve e, assim como já dizia Rinpoche, com sua fantástica analogia sobre o piquenique e a vida (ler texto dele, abaixo), não devemos perder tanto tempo em discussões infrutíferas, mas sim focar no essencial, que é a a rica oportunidade de estarmos neste planeta, juntos, com renovadas situações de aprendizagem e sagradas condições de crescimento.
Isso é o que verdadeiramente importa. 
E, sendo assim, para que as ansiedades desnecessárias?

Claudia Gelernter

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APROVEITE O PIQUENIQUE

A vida é como um piquenique em uma tarde de domingo — ela não dura muito tempo. Só olhar o sol, sentir o perfume das flores ou respirar o ar puro já é uma alegria. Mas se tudo o que fazemos é ficar discutindo onde pôr a toalha, quem vai sentar em que canto, quem vai ficar com o peito ou a coxa do frango…, que desperdício! Mais cedo ou mais tarde o tempo fecha, a tarde cai e o piquenique acaba. E tudo o que fizemos foi ficar discutindo e implicando uns com os outros. Pense em tudo que se perdeu.

Você pode estar se perguntando: se tudo é impermanente, se nada dura, como pode alguém viver feliz? É verdade que não podemos, de fato, agarrar ou nos segurar às coisas, mas podemos usar esse conhecimento para olhar a vida de modo diferente, como uma oportunidade muito breve e rara. Se trouxermos à nossa vida a maturidade de saber que tudo é impermanente, vamos ver que nossas experiências serão mais ricas, nossos relacionamentos mais sinceros, e teremos maior apreciação por tudo aquilo que já desfrutamos.

Também seremos mais pacientes. Vamos compreender que, por pior que as coisas possam parecer no momento, as circunstâncias infelizes não podem durar. Teremos a sensação de que seremos capazes de suportá-las até que passem. E com maior paciência seremos mais delicados com as pessoas a nossa volta. Não é tão difícil manifestar um gesto amoroso quando nos damos conta de que talvez nunca mais estaremos com a nossa tia-avó. Por que não deixá-la feliz? Por que não dispor de tempo para ouvir todas aquelas histórias antigas?

Chegar à compreensão da impermanência e ao desejo autêntico de fazer os outros felizes nesta breve oportunidade que temos juntos, constitui o começo da verdadeira prática espiritual. É esse tipo de sinceridade que efetivamente catalisa a transformação em nossa mente e em nosso ser.

Não precisamos raspar a cabeça nem usar vestes especiais. Não precisamos sair de casa nem dormir em uma cama de pedras. A prática espiritual não requer condições austeras — apenas um bom coração e a maturidade de compreender a impermanência. Isso nos fará progredir.

Chagdud Tulku Rinpoche.

Referências:

Bacardi, J.G.; Viver na Alma; editora Saberes, Campinas, 2015.

Dalgalarrondo, P.; Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Editora Artes Médicas do Sul; Porto Alegre,2000. 

Rinpoche, C.T.; Os portões da prática budista. Porto Alegre: Rigdzin, 2000.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá Cláudia Gelernter, é com muita alegria e satisfação que visito o seu blog. É muito interessante e de excelente conteúdo. Voltarei sempre! PARABÉNS!!!