Por
certo o sentido da palavra caridade pode ser mais amplo que o pensado até aqui.
Até porque precisamos levar em conta que caridade, embora poucos se deem conta
disto, também se aplica a nós mesmos.
Trata-se
de um assunto que transita por questões subjetivas, uma vez que vai depender
das crenças, dos valores de cada um, passando pelo viés cultural, em
determinado tempo histórico. Nossa pretensão neste pequeno artigo não será o de dessecar significados que surgem pelo mundo, mas sim o que significa Caridade na visão de Jesus, o Mestre por excelência. Isso porque entendemos ser este o caminho mais curto e mais seguro para o acerto.
Comecemos
pelo Livro dos Espíritos. Na obra viga mestra do Espiritismo, encontramos
determinados questionamentos feitos por Kardec que vem de encontro com o que
estamos buscando:
Na
questão 886, pergunta ele: - Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade,
como a entendia Jesus?
E os Espíritos respondem:
— Benevolência para
com todos, indulgência para as imperfeições alheias, perdão das ofensas.
Temos,
então, três dimensões na dinâmica caritativa:
* Universalidade do amor [na prática];* Entendimento empático;
* Perdão.
Podemos
entender que a benevolência para com todos, como nos ensina Kardec logo após
esta resposta dada pelos Espíritos, é amar ao próximo, fazendo-lhe todo o bem
possível, como desejamos que façam por nós. O amor em movimento [a prática] se situa como
sendo a ação resultante do sentimento. Quando somos avaros, estamos mobilizando
o sentimento do egoísmo. Quando humilhamos nosso semelhante, o sentimento que
nos move é o orgulho, principalmente. Os sentimentos são sempre o fermento do
pensamento e da ação. No caso da caridade em sua mais ampla acepção, sem dúvida
é o amor que está em sua base.
Diz-nos,
ainda, Kardec que “A caridade, segundo Jesus,
não se restringe à esmola, mas abrange todas as relações com os nossos
semelhantes, quer se trate de nossos inferiores, iguais ou superiores”.
Como
sempre, Kardec, na vanguarda de seu tempo, de forma concisa e profunda, com
poucas palavras nos dá o resumo fiel ao que Jesus entende por caridade.
Quando
falamos em “caridade nas relações com
nossos semelhantes” devemos ter em mente de que se trata de algo maior que
simplesmente a oferta de bens materiais, sejam eles de qualquer ordem de
grandeza, sendo que, mesmo nesta ação, precisaremos levar em conta a forma como
esta doação se dá: se ela é revestida de respeito, de compaixão, de
entendimento.
Indigno
aprendiz do evangelho aquele que doa com a intenção de receber aplausos, ou
ainda o que doa humilhando seu próximo.
Quanto
à amplitude da caridade, como nos propõe Jesus e nos explica Kardec, percebemos
que, em se tratando de “relações interpessoais” a questão moral recebe
importante destaque.
A
caridade moral surge como necessidade premente entre as criaturas, devendo esta
[a caridade] buscar o irmão necessitado onde estiver, seja ele carente no
âmbito material, psicológico, social ou espiritual.
A
paciência faz parte deste processo. Sem ela, impossível conseguirmos realizar a
caridade moral, pois para sermos verdadeiramente caridosos teremos de
compreender as dificuldades íntimas de nossos irmãos, suas mazelas, seus
defeitos, entendendo que cada um está e realiza de acordo com suas
possibilidades.
No
Evangelho Segundo o Espiritismo, O Espírito de Irmã Rosália comenta que
caridade moral é a mais difícil de ser realizada na Terra, por conta de nosso
orgulho exacerbado e de nosso egoísmo.
Já
a caridade material é, sem duvida, a mais simples, embora ainda seja a mais
valorizada em nossa cultura, até por conta da situação difícil por que passam
muitas pessoas em nosso país. É mais fácil abrir o nosso armário e retirarmos de lá as roupas que já não usamos mais, os sapatos velhos, os cobertores em desuso.
Claro que é uma ação de grande valor, pois indica que a pessoa se preocupa em levar conforto às pessoas. Trata-se, por certo, de desprendimento material.
Porém,
a caridade moral nos pedirá algo a mais: o envolvimento espiritual.
O
que significa isso? Quer dizer que iremos ultrapassar nossos limites íntimos e
não apenas os externos. Iremos calar para que um mais ignorante fale, iremos
dar apoio aos angustiados, dando de nós mais do que dinheiro. Não
participaremos de rodas de fofoca, de apontamentos humilhantes. Daremos nosso
tempo, nossos ouvidos, nosso coração. Só o amor tem este poder.
A CARIDADE EM TODAS AS
FORMAS, PARA COM TODOS.
Mas Kardec, em apenas três linhas, vai além: diz ele, ainda, que esta ação caritativa deve existir sempre, quer se trate de nossos iguais, de nossos superiores ou nossos inferiores.
Aqui,
certamente não se trata apenas das questões sociais, mas de questões gerais,
que extrapolam o econômico, o político, o social e desemboca na natureza, no
universo, no cosmos.
Um
Espírito caridoso o é com tudo e com todos, em qualquer lugar, a qualquer hora,
sem nunca perder uma oportunidade de ser útil, bom.
Ele
vai às ruas de forma consciente, tratando humanos, animais, vegetais com o
mesmo respeito com que trataria um familiar próximo.
Não
usaria de crueldade no trabalho, nos passeios, nas compras, na mesa.
Seria
sempre um recado de paz ao mundo, vivendo conforme aquilo que aprendeu.
Sua
caridade segue para além do humano, pois sabe que tudo o que nos cerca é
criação do Pai, portanto semelhantes nossos, filhos do amor divino.
O ar, as plantas, os minerais, os animais e os hominais. Tudo e todos!
Um
exemplo deste amor supremo esteve em Francisco de Assis – o mensageiro da paz
entre os homens.
Em
sua história magnífica vemos a caridade material e moral em todas as escalas,
em todos os setores, em todos os momentos!
Kardec
continua dizendo que esta caridade, apregoada e exemplificada pelo Mestre “nos manda ser indulgentes, porque temos
necessidade de indulgência, e nos proíbe humilhar o infortúnio, ao contrário do
que comumente se pratica. (...) O homem verdadeiramente bom procura elevar o
inferior aos seus próprios olhos, diminuindo a distância entre ambos”.
Eis
aqui a regra da equidade, da justiça, do bem em movimento. Tal regra foi
inaugurada com Jesus.
CARIDADE PARA COM OS
INIMIGOS
Mais adiante, na questão 887, lemos:
887. Jesus ensinou ainda: “Amai aos vossos
inimigos”. Ora, um amor pelos nossos inimigos não é contrário às nossas
tendências naturais, e a inimizade não provém de uma falta de simpatia entre os
Espíritos?
“—
Sem dúvida não se pode ter, para com os inimigos, um amor terno e apaixonado. E
não foi isso que ele quis dizer. Amar aos inimigos é perdoá-los e pagar-lhes o
mal com o bem. É assim que nos tornamos superiores; pela vingança nos colocamos
abaixo deles”.
Então entramos na questão do perdão. O mais
difícil de todos - aquele realizado para com os inimigos.
Como
podemos retribuir o mal com o bem? Primeiro deixando de lado vinganças inúteis
e passageiras.
Toda
ação no mal é cumplicidade com o erro que gerará novas respostas da vida,
sempre doloridas.
Não,
a vingança não deverá fazer parte de nossos planos. E recordemos que as
vinganças mentais, não realizadas, também são vinganças, pois que produzem
energias malsãs.
Receberemos
o inimigo que vier nos procurar, tentando a reconciliação, de forma positiva,
aceitando a oferta de paz. Desejaremos que seja feliz, que encontre um bom
caminho.
Saberemos,
ainda, aguardar o tempo, soberano e sábio, que fará seu trabalho amainando as
chagas da mágoa para que um dia possamos nos reencontrar, refeitos e maduros,
para a total reconciliação.
ESMOLA COMO FERRAMENTA
DE CARIDADE
Este tema suscita dúvidas, mesmo entre os Espíritas. Vez ou outra nos questionam se seria correto darmos esmolas às pessoas nas ruas. Vejamos o que nos explicam os Espíritos:
888.
Que pensar da esmola?
“ - O homem reduzido a pedir esmolas se
degrada moral e fisicamente: se embrutece. Numa sociedade baseada na lei de
Deus e na justiça, deve-se prover a vida do fraco, sem humilhação para ele.
Deve-se assegurar a existência dos que não podem trabalhar sem deixá-los à
mercê do acaso e da boa vontade”.
Eeste
trecho de O Livro dos Espíritos vemos a posição socialista cristã dos
Espíritos. Eles seguem para além da questão da esmola em si, indo até a sua
causa: uma sociedade que não está baseada na lei de Deus e na Justiça.
Portanto, a esmola surge como algo paliativo, não resolvendo em nada a questão
em suas raízes.
888 - (a) Então condenais a esmola?
“ — Não, pois não é a esmola que é
censurável, mas quase sempre a maneira por que ela é dada. O homem de bem, que
compreende a caridade segundo Jesus, vai ao encontro do desgraçado sem esperar
que ele lhe estenda a mão”.
(ler
infortúnios ocultos, em O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 13 – QUE A
MÃO ESQUERDA NÃO SAIBA O QUE FAZ A DIREITA).
Nesta
época de fome e desespero, muitas pessoas fecham os olhos e dizem: “Ah, Jesus, ajude os necessitados!”. Ora,
Ele está ajudando! Todo o tempo nos permite tenhamos recursos para que sejam
distribuídos aos mais necessitados. E o que fazemos nós a não ser aumentar
nossos cofres e dormir em berços aquecidos e esplendidos?Continua o Espírito de São Vicente: “A verdadeira caridade é sempre boa, benevolente; tanto está no ato quanto na maneira de fazê-la. Um serviço prestado com delicadeza tem duplo valor; se o for com altivez, a necessidade pode fazê-lo aceito, mas o coração mal será tocado”.
Como também dissemos, a forma é sempre importante. Desejar ser caridoso jogando migalhas no rosto de um irmão é um ato de covardia, antes de tudo.
Se desejamos algo ensinar a um irmão, não devemos usar de recursos agressivos, jamais, mas sempre o amor, a suavidade, a temperança.
Ainda
na mesma questão, respondida por S. Vicente, lemos: “Lembrai-vos ainda de que a ostentação apaga aos olhos de Deus o mérito
do benefício. Jesus disse: “Que a vossa mão esquerda ignore o que faz a
direita”. Com isso, ele vos ensina a não manchar a caridade pelo orgulho”.
Aqui
outro ponto importantíssimo – a humildade na ação do bem. Não conseguiremos ser
caridosos se o fizermos por orgulho, para sermos aplaudidos. Se é o orgulho, o
ego quem fala mais alto, a ação perderá seu valor essencial.E continuando, nos relembra o Espirito amoroso: “Amai-vos uns aos outros, eis toda lei, divina lei pela qual Deus governa os mundos. (...) Em lugar de desprezar a ignorância e o vício, instruí-os e moralizai-os. Sede afáveis e benevolentes para com todos os que vos suo inferiores; sede-o mesmo para com os mais ínfimos seres da Criação, e tereis obedecido à lei de Deus. (São Vicente de Paulo.)
Novamente inúmeras lições em tão pequeno trecho.
Vemo-nos
no dever de destacar que a caridade deve contemplar, acima de tudo, medidas que
colaborem com a educação do Ser. Que promovam o crescimento, a autonomia, o
empoderamento das pessoas.
Muito
mais que medidas assistencialistas (que consideramos necessárias, devido ao
nosso estado social recheado de desigualdades e injustiças), auxiliar as
pessoas para que consigam libertar-se da ignorância, para que consigam trilhar
por caminhos diferentes.
VIVER NO PRESENTE
TAMBÉM É CARIDADE
Tudo
o que existe se situa em determinado tempo e ocupa determinado espaço. Tempo e
espaço são conceitos abstratos, pois não podem ser percebidos por nossos
sentidos.
O
que é tempo? Tempo é algo que vivemos, representa o momento, o instante, a
época em que algo ocorreu ou existiu, ocorre ou existe, ocorrerá ou existirá.E cada coisa ocupa um lugar, uma porção específica do espaço.
O
espaço refere-se ao lugar que as coisas ocupam e onde os fatos ocorrem.
O
que devemos levar em conta é que podemos estar fisicamente no momento presente,
porém, nossa mente presa em questões do passado ou em possibilidades/
impossibilidades futuras. Com isso, não estaremos no tempo atual, mas onde nos
leva nossos pensamentos/sentimentos.Com o espaço dá-se o mesmo. Se nossa mente está em outro país, em outra localidade, certamente não estaremos preenchendo o espaço onde está nosso corpo, psiquicamente falando.
Quando isso ocorre, e sabemos que se dá com frequência devido a nossas neuroses, fatalmente estaremos sendo descaridosos com aqueles que desejam compartilhar suas vidas conosco.
Um exemplo:
Aquele
pai que chega em casa cansado, preocupado com o trabalho, com a cotação do
dólar, com a situação da empresa pode vir a se fixar em questões do passado (a
reunião que ocorreu naquela tarde, por exemplo) e futuro (imaginando como
poderá resolver os problemas que considera inadiáveis).
Sim,
somos humanos e esta situação ocorrerá por diversas vezes. Entretanto, quando a
exceção torna-se regra, é preciso reavaliar posturas, crenças, hábitos, pois
tanto nós como muitos outros podem estar sendo sacrificados emocionalmente. O mesmo pode ocorrer com a mãe, a irmã, o irmão, a esposa, o marido, etc. Todos nós que, em vez de nos concentrarmos no momento presente, buscando vivenciar o que de melhor for possível junto aos que nos rodeiam, teimamos nas preocupações, nas ansiedades, nas lembranças patológicas.
Então, entendemos que este exercício, que vou chamar de “recolocação psíquica no tempo e espaço” torna-se, também, uma caridade de âmbito moral para conosco e para com o nosso próximo.
POR QUE FAZER CARIDADE?
Até
aqui comentamos sobre as recomendações do Cristo e dos Espíritos Superiores com
relação a caridade.
Mas,
porque fazê-la? Pelo próximo? Por Jesus? Por nós?Hoje, com os avanços das ciências humanas e da saúde, compreendemos que perdoar, amar, orar, cuidar e educar são medidas que extrapolam o campo da teologia comum, indo desembocar diretamente em nossa saúde, no mais amplo sentido da palavra.
Realizar ações no bem é, acima de tudo, medida profilática. É prevenção de patologias, de problemas psíquicos, físicos, sociais, ambientais.
A caridade é o único caminho para a harmonia íntima, pois ela nos impulsiona ao amor ativo, constante, em todos os setores e momentos.
Não foi por outro motivo que Kardec sentenciou que “fora da caridade não há salvação”.
Hoje podemos compreender esta premissa em toda sua pujança.
Já temos informações de que pessoas que carregam mágoas, tristezas patológicas, com postura egocêntrica ou depressiva tornam-se fortes candidatos a disturbios de toda ordem.
Na outra ponta do pêndulo, os que são dóceis, pacientes, amorosos, prestativos, tem
maiores chances de transitar pelo mundo com certo equilíbrio, harmonia interior – o que acaba por influenciar sobremaneira o meio que os cerca.
O amor como poderoso instrumento de prevenção e cura. Sempre.
Então,
e finalizando este artigo, convido-o, caro leitor:
-
Mãos à obra!
Claudia Gelernter
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